No formato de perguntas e respostas, o Todos Pela Educação se posiciona, no texto a seguir, sobre os principais pontos levantados, após a divulgação da Medida Provisória nº 746, publicada no Diário Oficial da União na última sexta-feira, 23 de setembro, e que altera a Lei nº 9394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e a Lei nº 11.494 (Lei do Fundeb).
A Reforma deveria ter sido iniciada por Medida Provisória?
Não, por dois motivos. O Projeto de Lei 6.840/2013, que tramita em Comissão Especial, com a presidência do Deputado Reginaldo Lopes (PT/MG) e relatoria do Deputado Wilson Filho (PTB/PB), está pronto para ser votado, após três anos de debates. Teria sido melhor articular no Congresso a votação desse PL ainda neste ano. Além disso, a efetivação da nova organização curricular do EM depende da finalização, pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), e homologação, pelo Ministério da Educação, da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) que, de acordo com falas recentes do próprio MEC, só acontecerá em 2017.
Houve debate sobre a Reforma do Ensino Médio?
Sim. A reforma está prevista na estratégia 3.1. do PNE: “Institucionalizar programa nacional de renovação do ensino médio, a fim de incentivar práticas pedagógicas com abordagens interdisciplinares estruturadas pela relação entre teoria e prática, por meio de currículos es¬colares que organizem, de maneira flexível e diversificada, conteúdos obrigatórios e eletivos articulados em dimensões como ciência, trabalho, linguagens, tecnologia, cultura e esporte, garantindo-se a aquisição de equipamentos e laboratórios, a produção de material didático específico, a formação continuada de professores e a articulação com instituições acadêmicas, esportivas e culturais”.
Além disso, o tema da Educação Integral é contemplado na estratégia 6.1. do PNE: “Promover, com o apoio da União, a oferta de Educação Básica pública em tempo integral, por meio de atividades de acompanhamento pedagógico e multidisciplinares, inclusive culturais e esportivas, de forma que o tempo de permanência dos alunos na escola, ou sob sua responsabilidade, passe a ser igual ou superior a 7 (sete) horas diárias durante todo o ano letivo, com a ampliação progressiva da jornada de professores em uma única escola”. O PNE tramitou por quase quatro anos, com ampla participação de todos os setores educacionais do País.
Outro espaço de debate ocorreu no Grupo de Trabalho sobre Ensino Médio promovido pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), com a participação de todos os secretários e técnicos do EM de todas as secretarias estaduais.
Vale mencionar que, durante a tramitação do já citado PL 6840, houve vários debates realizados nas audiências públicas solicitadas pela Câmara.
Por fim, vale mencionar que, nos seminários estaduais e municipais sobre a BNCC, com participação de 9 mil pessoas, a diversificação do EM apareceu como uma das principais recomendações dos educadores.
Houve suficiente debate?
Não, poderia ter sido melhor. O MEC poderia ter feito a divulgação com mais cuidado, com materiais mais completos, inclusive com os estudos que apoiam as decisões contidas na MP e as defesas feitas ao longo dos últimos anos pelas mais diversas instituições, permitindo que os debates para a implementação fossem mais qualificados.
Ainda que a reforma seja iniciada por MP, a realização das mudanças, de fato, será responsabilidade das Secretarias Estaduais de Educação. Aprovada a MP, fica a tarefa para as redes de promover debates com educadores, professores, estudantes e famílias para a definição do modelo que será implantado em cada unidade da federação.
Por fim, o Consed se pronunciou que fará uma consulta aos jovens de todo o Brasil para construir uma orientação da entidade aos Estados.
A reforma é necessária?
É muito necessária. Alguns dados ilustram a situação atual do Ensino Médio brasileiro:
A evasão no EM é de 17%.
1,7 milhão de jovens de 15 a 17 anos fora da sala de aula.
Apenas 18% dos jovens de 18 a 24 anos ingressam na Educação Superior.
O Ideb do EM está estagnado desde 2011 e a porcentagem de alunos com aprendizado mínimo adequado em matemática (Meta 3 do TPE) cai desde 2005 tendo chegado a 9% em 2013.
Além disso, pesquisas mostram que os jovens têm demandado mudanças no EM, com clara insatisfação em relação ao modelo adotado hoje, que não dialoga com o projeto de vida as vocações.
Mais detalhes podem ser vistos nas seguintes pesquisas:
Projeto de Vida (Fundação Lemann)
Crise da audiência do EM (FGV e Instituto Unibanco)
Juventudes na Escola, Sentidos e Buscas: por que frequentam (Miriam Abramovay/Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso)
Nossa Escola em (Re)Construção (Porvir)
Vale ressaltar que o Brasil é um dos únicos países com um Ensino Médio único, com 13 disciplinas obrigatórias, no qual os alunos, em menos de 4 horas diárias de exposição efetiva a situações de ensino, não conseguem aprofundar os estudos.
Finalmente, é importante destacar que a ampliação do EM em tempo integral tem se mostrado uma das estratégias mais eficazes para melhorar a qualidade do ensino, com ainda melhores resultados quando oferecido em escolas que atendem alunos de menor nível sócio econômico. Vale mencionar que, em Pernambuco, a evasão nas escolas onde a Educação em tempo integral foi implementada caiu para menos de 1%, muito inferior à média nacional.
A reforma resolve todos os problemas do EM?
Claro que não. Nenhuma política isolada é capaz de resolver situações complexas como a do Ensino Médio. Os resultados do EM são fortemente dependentes do que acontece ao longo do Ensino Fundamental. Os alunos que chegam do EF com graves defasagens de aprendizagem terão muito mais dificuldade de ter o direito à aprendizagem garantido, independentemente do modelo de EM adotado.
O fator mais determinante da reforma não é a Lei em si, mas a implementação das mudanças propostas, que é de responsabilidade dos governos estaduais. A reforma do EM pode destravar gargalos importantes, mas o salto de qualidade virá com a qualificação dos professores, com mais atratividade para a carreira, melhores salários, melhor formação inicial e continuada e melhores condições de trabalho.
Há riscos na implementação da política proposta na MP?
Sim, sempre há muitos, e é preciso ficar atentos a todos eles:
Caso não haja mudanças no Fundeb, a ampliação do número de matrículas de EM em tempo integral (cujos alunos têm peso 1,3 na ponderação da distribuição dos recursos) pode reduzir os recursos destinados às outras etapas, em especial os Anos Iniciais do Fundamental urbano (peso 1 na ponderação), que em sua grande maioria são de responsabilidade dos municípios. Essa análise considera que não há previsão de alteração no total de cada fundo estadual.
A oferta de tempo integral deve priorizar as escolas que atendem alunos de menor nível socioeconômico. É preciso dar mais para quem tem menos, sob pena de aumentarmos a desigualdade, como apontado em pesquisa recente do Cenpec.
Como a política sinaliza o investimento, por parte da União, de 1,5 bilhão nos dois primeiros anos de implementação, após esse período é possível que as unidades da federação tenham dificuldade na manutenção das escolas de tempo integral, caso a suplementação da União não se mantenha ou não cresça.
Na parte diversificada do currículo, é importante prever que os jovens tenham alguma mobilidade entre as áreas de ênfase pelas quais optarem, podendo mudar de trilha durante o curso, se assim desejarem.
Caso a rede opte por organizar o EM em módulos semestrais, devem ser evitados mecanismos que possam elevar a evasão (por exemplo, trancamento de matrícula).
A liberdade que as redes estaduais passam a ter em relação à organização do currículo diversificado precisa ser utilizada com bom senso, sob o risco de gerar distorções pelo País. O desenho dos itinerários formativos deve garantir a todos os alunos o direito ao acesso a todas as áreas de conhecimento, mesmo que com ênfase em determinadas áreas.
Por fim, é preciso esclarecer que, segundo o texto da MP, a possibilidade de contratação de docentes entre profissionais com notório saber é restrita à área de formação técnica e profissional. Ainda assim, o governo deveria indicar de forma clara quais os limites e critérios para a contratação de desses profissionais.
A diversificação da oferta de EM é positiva?
Sim. Os alunos têm direito a uma formação que respeite talentos e vocações, que possibilite experimentar trilhas eletivas de aprofundamento. Mas é preciso orientar, apoiar e valorizar a escolha dos jovens. A diversificação, se bem planejada, pode possibilitar aos alunos de escolas públicas o acesso a aprendizagens que hoje ficam restritas a alunos de escolas privadas ou àqueles que têm condições de pagar cursos extracurriculares, como programação, robótica etc. Por fim, vale dizer que a diversificação é o modelo vigente em países de todo o mundo com grande êxito (leia mais sobre o tema na publicação Educação em Debate, do Todos Pela Educação).
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