REFORMA
DO ENSINO MÉDIO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE SOBRE O “NOTÓRIO SABER” PARA O
EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA[1]
Resumo
Esse
artigo visa compreender as alterações da Medida Provisória número 746 na
Reforma do Ensino Médio Brasileiro, estudo desenvolvido no âmbito do Curso de
Educação do Campo com ênfase em Estudos da Realidade Brasileira da Universidade
Federal da Fronteira Sul, campus de Chapecó. O referente artigo vai abordar o
tema: Reforma do Ensino Médio: uma análise sobre o notório saber, com o
objetivo de analisar os efeitos e as alterações da MP nº 746 lançada pelo
Ministério da Educação (MEC), na legislação vigente brasileira, através dos métodos
educacionais enfatizando o Notório Saber e suas implicações na relação entre
profissionais da educação e os estudantes da Rede Pública de Ensino.
Palavras-chave: Reforma do Ensino
Médio, MP 746; Notório Saber; LDB.
1. INTRODUÇÃO
A discussão sobre a mudança no currículo do
Ensino Médio Brasileiro é antiga. No Governo de Dilma Rousseff nos anos de 2010
a 2015 pretendia-se retirar algumas disciplinas, como as da área de humanas,
Sociologia e Filosofia com o objetivo de diminuir o número de disciplinas no
Governo A possível retirada, que não aconteceu nesse período, ocasionou revolta
aos professores das áreas e por mais alguns meses a discussão se estagnou. As
dozes disciplinas presente no currículo compreendia uma carga expressiva para
os estudantes, devido a dupla jornada enfrentada pelos estudantes, o estudo e o
trabalho.
No governo de Michel Temer no ano de 2016, a
discussão da reforma do Ensino Médio volta à tona, juntamente com inúmeras
mudanças. O estopim desse período foi a Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) número 241, posteriormente denominada PEC nº55 altera artigos da
Constituição Federal principalmente no contexto da Consolidação das Leis do
Trabalho - CLT.
Uma
das mudanças consequência da PEC 55 foi a Reforma Trabalhista[3] aprovada pelo Senado em 11
de julho de 2017, e sancionada pelo Presidente da República Michel Temer, A
inicialmente PEC 55, batizada Medida provisória número 746, limitará o
crescimento da despesa primária da União no prazo de 20 anos em vários setores,
mas significativa nas áreas da educação, pela Mudança da Medida provisória
número 746.
O congelamento dos investimentos estende-se de 2017
até 2036, conforme a variação da inflação calculada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)
do ano anterior. Dessa forma, o desequilíbrio entre a receita e a despesa vem
sendo utilizado pelo governo do presidente Michel Temer como a justificativa
para a reestruturação da economia brasileira para os próximos anos.
Essa reorganização econômica proposta pelo governo
brasileiro significa restrição nos investimentos, ocasionando grandes
consequências no bem-estar e desenvolvimento da qualificação docente. Das
principais consequências na educação básica em que uma grande parte dos
professores atualmente enfrentam estão: a alteração na carreira docente que
aumento de despesa; Admissão ou contratação pessoal, a qualquer título com
exceção no caso de reposição de cargos de chefia e de direção que não acarretem
aumento de despesa e aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos;
Restrição na realização de concurso público.
Como parte desse processo de reestruturação da
economia brasileira tem-se também a alteração na Lei de Diretrizes de Base
(LBD) através da Medida Provisória número 746 (MP nº746), prevê, grandes perdas
na área da educação
Em
22 de setembro de 2016 foi instituído pelo presidente da república Michel Temer
a medida provisória nº 746, constituída por 14 artigos que em 16 de fevereiro de
2017 pela portaria 727 de 13 de junho de 2017 denomina-se Lei 13.415 implementa
Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral e altera
a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelecendo: a) as diretrizes e
bases da educação nacional, b) a Lei nº 11.494 de 20 de junho 2007, que
regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação e dá outras providências.
O uso do termo
Medida Provisória nº 746será predominante durante o artigo, mesmo que a Medida
provisória referida já se tornou na Lei 13, 4, em 16 de fevereiro de 2017. Mas como ainda essa lei não foi incluída na
terceira versão da Base Nacional Comum Curricular, mante-se a nomenclatura de
MP nº 746
Considerando que o foco dessa pesquisa é a Reforma do
Ensino Médio, cabe aqui salientar a análise de algumas mudanças e consequências
propostas pela MP nº 746 que introduz mudança profunda na estrutura do Ensino
Médio, uma delas é pelo artigo 61, que altera o artigo 36 da Leis de Diretrizes
de Basse, permitindo partir da alteração, a permissão de profissionais, não
licenciados, atuem como professores nas áreas de formação profissional, notório
saber.
Vale ressaltar que na MP nº 746 traz outras alterações
que serão abordadas conforme a importância para o tema o notório saber, que
organiza esse artigo. Pelo fato da pesquisa ser no âmbito educacional, o tema
será abordado colocando em questão a preocupação com a formação e valorização
dos profissionais da educação. No entendimento da MP nº746, artigo 61º,
qualquer saber pode ser considerado importante para a aprendizagem e a mediação
do conhecimento. Diante disso, diversos profissionais poderão não atuar
especificamente em suas áreas de formação, debilitando o processo formativo dos
estudantes.
Conforme referido no artigo nº 206 inciso V em que a
valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei,
planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas
e títulos, aos das redes públicas, redação dada pela Emenda Constitucional nº
53, de 2006, em que se dava por contratação temporária.
Surge daí a relevância de
abordar o tema através da Reforma do Ensino Médio, analisando a construção, a
mediação do saber, por sua vez, questionador e gerador do conhecimento no
processo educacional. Com o objetivo de analisar os efeitos da medida
provisória número 746 lançada pelo Ministério da Educação (MEC) a partir da sua
aprovação, que permite a contratação de profissionais da educação não
licenciados, atuem em área de formação profissional através no Notório Saber.
Diante disso, a pesquisa
deu-se por entrevistas de dez professores de diversas áreas de Ensino da
Educação Básica do estado de Santa Catarina. Os depoimentos dos professores
foram fundamentais para o desencadear desse artigo visto que eles são o “chão”
da escola básica, e enfrentam diariamente os conflitos, as demandas, as
discussões, muitas vezes imposta pela legislação educacional brasileira (LBD,
BBCC, Constituição Federal) que não condizem com a realidade da comunidade
escolar. A reflexão será embasada na legislação brasileira e pelas
contribuições dos autores que abordam a temática da Educação, como Antônio
Gramsci, Dermeval Saviani e José Líbaneo
2.
UM OLHAR SOBRE A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL
BRASILEIRA
O Ensino Médio tem sido alvo de disputas que se acirraram nos últimos 20
anos. A partir do momento em que é sancionada a atual Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB 9.394/96) tivemos, em menos de 15 anos, duas diretrizes
curriculares aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (Resolução CNE/CEB
03/1998 e a Resolução CNE/CEB 02/2012). Esses textos possuem a finalidade de
normatizar a oferta na organização curricular e divergem substantivamente no
que propõem quanto à identidade e às finalidades dessa etapa da educação.
A educação básica de
ensino tem se mostrado, no envolver histórico educacional, um componente
complexo que sustenta a duradoura exploração humana voltada as relações de
trabalho. Dessa forma, as alternativas presentes atualmente distanciam-se na
busca da emancipação humana, pois não atende totalmente a formação crítica,
reflexiva e processual em se apresenta na legislação e nos princípios para a
prática do ensino e aprendizagem.
Como base no artigo nº 206 da Constituição Federal o ensino
será ministrado pelos seguintes princípios:
I -
igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; V - valorização
dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de
carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos,
aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de
2006) VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII -
garantia de padrão de qualidade. BRASIL, 1988, p.121)
Mediante
a essas orientações percebe-se que o ensino deverá atender a valorização dos
docentes, na medida em que prevê a contratação por concurso público, a
efetivação de docentes, garantindo o padrão de qualidade. Mas na realidade,
poucas gestões governamentais atendem a essa legislação, conforme aponta o
gráfico abaixo.
Fonte: Resultados
do Censo Escolar, CNTE, 2013.
Na
maioria dos estados brasileiros os profissionais da educação em regime de
contratação temporária equivalem de 20 a 60 % do quadro o menor índice acontece
no estado do Rio de Janeiro com até 20%. Já no estado de Santa Catarina esse
índice aumenta para 60%. São denominados Assistentes de Caráter Temporário (ACT),
que passam por um processo seletivo, atualmente válido por dois anos e conforme
classificação realiza-se a escolha de aulas.
Fonte: Fonte:
Resultados do Censo Escolar, CNTE, 2013.
Outro dado que vale
ressaltar é a forma que esses profissionais da Educação estão divididos. Na
rede estadual, destaca-se a contratação de caráter temporário com 31,3%, e
somente 0,2% contratação por terceirizados[4], número esse que tende a
mudar com a aprovação do Novo Ensino Médio.
Durante um seminário
sobre educação básica para docentes do Ensino Médio Noturno, realizado em
Chapecó-SC, Eduardo Deschamps[5] atual presidente do Conselho
Nacional da Educação (CNE) e secretário da
educação do estado de Santa Catariana, mencionou que o método
utilizado para contratação de professores em regime de ACTs, não é mais viável,
entende-se a terceirização será a alternativa a esse regime. Com isso a
qualidade do ensino e valorização do profissional da educação disputam
investimentos para saciar a sua demanda.
Contudo na Lei
13.005/2014 do Plano Nacional da Educação (PNE), especificamente no artigo 11º,
fica na responsabilidade do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica,
coordenado pela União, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, a avaliação da qualidade da educação básica e para a orientação das
políticas públicas desse nível de ensino:
II - indicadores
de avaliação institucional, relativos a características como o perfil do
alunado e do corpo dos (as) profissionais da educação, as relações entre
dimensão do corpo docente, do corpo técnico e do corpo discente, a
infraestrutura das escolas, os recursos pedagógicos disponíveis e os processos
da gestão, entre outras relevantes. (BRASIL/MEC/INEP, 1998, p.04)
Diante disso, a
responsabilidade da garantia da qualidade na educação básica cabe as três instâncias
Consta no PNE, sob Lei 13.005/2014, em seu Artigo 9º, que os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios deverão aprovar leis específicas para os seus
sistemas de ensino, disciplinando a gestão democrática da educação pública nos
respectivos âmbitos de atuação, no prazo de 2 (dois) anos contado da publicação
desta Lei (25 de junho de 2016), adequando, quando for o caso, a legislação
local já adotada com essa finalidade.
No que se refere a LDB (1996),
na Lei n. 9.394/1996 Artigo 3º e no artigo 15º que o ensino será ministrado com
base nos seguintes princípios: “gestão democrática do Ensino Público, na forma
desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; vinculação entre a educação
escolar, o trabalho e as práticas sociais”.
Segundo o PNE (1998) os
sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação
básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e
administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito
financeiro público. De fato, as garantias de preservação dos direitos a
qualidade de ensino estão previstas na LDB, mas na prática percebe uma ausência
do poder executivo federal e estadual, o investimento é reduzido dificultando a
formação continuada dos profissionais da educação. Essa redução de investimento
se faz presente no processo primário do professor em sua formação acadêmica.
Conforme o gráfico abaixo percebe-se que há uma mudança no quadro do docente da
Educação Básica que oscila de 80% a 22,6% das áreas de Ensino.
Fonte: Resultados do Censo Escolar, CNTE, 2013.
Está presente na LDB sob Lei n. 9.394/1996
no Artigo 62º que;
A formação de docentes para atuar na
educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de
graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação,
admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação
infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em
nível médio na modalidade normal. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013).
(BRASIL/MEC. 1996, p.12)
A meta 15ª do PNE (1996)
prevê que todos os professores e as professoras da educação básica possuam
formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área
de conhecimento em que atuam, porém isso não acontece na prática educacional,
pois atualmente, na maioria dos estados, a formação em área específica não
atende à demanda, ocasionando uma “deficiência” na qualidade do ensino e
aprendizagem. Conforme aponta em
entrevista a professora Joana a preocupação com as disciplinas de
licenciaturas, em que poderá ser substituída ou unificada por áreas a fins
através do notório saber, quer incluir o ensino de bacharelado no currículo do
ensino técnico profissionalizante
.
A MP nº746 salienta
que a contração por notório saber será somente para o ensino profissionalizante
e não afetará a maior parte da educação, porém, a lógica da reforma do ensino
médio é ampliar o ensino profissionalizante, ou seja, ampliará a contratação
por notório saber. Sendo assim, creio que diminuirá o interesse no ingresso por
cursos de licenciaturas, pois, o mercado de trabalho da Educação, terá mais
concorrência, com outros tipos de ensino, seja ele, principalmente por qualquer
curso técnico que emite um diploma. (JOANA, PROFESSORA, Fonte ENTREVISTA)
Conforme apresenta na MP 746/16,
a proposta de organização curricular baseia-se na definição de competências
reducionista do papel da escola, sobretudo da última etapa da educação básica. As
competências estão direcionadas a lógica de formar o estudante para o mercado
de trabalho. Crítico sobre o processo educacional, Antônio Gramsci, já apontava
em seus estudos no contexto da “Reforma Gentile” na década de 1930 a reforma
educacional fascista que tinha como fim organizar o sistema educacional
italiano para atender aos anseios do grupo hegemônico, a classe burguesa. Na
tradução dos escritos nos anos de 1960, Gramsci com base na sua trajetória
estudantil, que a formação educacional do indivíduo era ofertada coa sua origem
social, conforme o pertencimento de classe, se atribuía funções.
O advento da
escola unitária significa o início de novas relações entre o trabalho
intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda vida
social. O princípio, por isso, refletir-se-á em todos os organismos de cultura,
transformando-os e emprestando-lhes um novo conteúdo. (GRAMSCI, 1968, p. 125).
A
escola unitária compreende com base educacional italiana, uma evolução das
classes subalternas a inserção ao ensino, oportunizando filhos de operários a
sua formação. Diante desse quadro, a escola unitária proposta por Gramsci seria
a base para a luta contra a formação cultural discrepante entre as diferentes
classes sociais (Martins. 2012 p.04). Diante disso, sabe-se que para a classe trabalhadora, aquela que compõe a
maior parte da população, não há garantias de uma vida estável no âmbito do
trabalho e estudo.
Historicamente no Brasil a
educação básica e a educação profissional são relacionadas pela dualidade de
um lado, um ensino geral e do outro, a educação profissional e tecnicista.
Segundo a mestre em educação Adriana Martins (2012) o quadro predominante, até
o século XIX, continha a educação propedêutica para as elites, voltada para a
formação de futuros dirigentes, e a educação profissional para os trabalhadores
de baixa renda.
Na escola atual,
em função da crise profunda da tradição cultural e da concepção da vida e do
homem, verifica-se um processo de progressiva degenerescência: as escolas de
tipo profissional, isto é, preocupadas em satisfazer interesses práticos
imediatos, predominam sobre a escola formativa, imediatamente desinteressada. O
aspecto mais paradoxal reside em que este novo tipo de escola aparece e é
louvada como democrático, quando na realidade, não só é destinado a perpetuar
as diferenças sociais, como ainda a cristalizá-las em formas chinesas.
(GRAMSCI, 2001, p. 49).
Considerando
que no Brasil o ensino técnico, profissional e industrial aparece na
Constituição de Federal de 1934, inúmeras críticas surgem até o atual período. Em
uma análise mais recente, Dermeval Saviani aponta que a grande crise do Ensino Médio sempre
residiu no fato de sua indefinição: ora deve ser um fim em si mesmo e, desta
forma, ser profissionalizante, ora deve ser um meio para atingir realidades subsequentes,
isto é, o Ensino Médio deve ser instrumento de preparação para o Ensino
Superior.
O Deputado Federal do
Partido dos Trabalhadores Paulo Pimenta, em nota, aponta que para muitos
educadores está ocorrendo um retorno ao modelo da educação da Ditadura Militar,
quando o sistema educacional era organizado de forma paralela, para quem
seguiria a formação técnica para o trabalho e para quem seguiria a formação
clássica e científica. Conforme os docentes das áreas das ciências naturais e
exatas não precisassem aprofundar conhecimentos de ciências humanas, por
exemplo, ou vice-versa. Em depoimento o professor Indignado da Silva, menciona
sua preocupação.
Não há como se
pensar na formação de sujeitos numa perspectiva (propósitos) de integralidade,
que procure contemplar as diferentes dimensões da vida humana, sem a
participação efetiva destas disciplinas. Tal proposta é uma demonstração clara
de que o governo Temer faz opção pelas questões econômicas, não pelas questões
humanas. (INDIGNADO
DA SILVA, PROFESSOR, Fonte ENTREVISTA)
Para
a professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Marise Ramos,
a síntese dessa medida é uma formação precária, que vai se interferir na
formação principalmente, para os filhos da classe trabalhadora. Sendo
assim, esse modelo é o mesmo que eliminar da escola a liberdade de pensamento e
concepções. É o modelo que, por meio de censura e repressão, impede a formação
para a compreensão crítica da realidade social e para o exercício da cidadania,
principalmente quando não há obrigatoriedade das disciplinas de Filosofia e
Sociologia no seu currículo.
A reforma curricular,
concebida na Lei n. 13.415 de 16/02/2017 que regulamenta a Medida Provisória nº
746 que retira a obrigatoriedade do ensino de Filosofia e Sociologia no EM.
(Altera o artigo 36/LDB) é uma nova forma de distribuição do conhecimento
socialmente produzido, colocando o ensino médio a serviço da produção de
sujeitos técnica e subjetivamente preparados do ponto de vista instrumental,
tendo em vista os interesses do capital. Daí a pouca atenção voltada à formação
de sentido amplo e crítico, ou sua secundarização, assim como a exclusão, como
obrigatórias, de disciplinas como Filosofia e Sociologia.
A possível retirada
dessas disciplinas é mais uma afrontada a educação pública. Diante disso em nota a Sociedade Brasileira
de Sociologia declara seu posicionamento contrário à proposta de Reforma do
Ensino Médio, apresentada no dia 22/09/2016 pelo Ministério da Educação ao
Presidente da República, para ser implementada na forma de Medida Provisória.
A proposta fere
substancialmente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, pois
modifica as exigências de conteúdos ali previstos, a formação de docentes
requeridas para ministrar aulas nessa etapa da Educação Básica e a metodologia
de pactuação das políticas educacionais prevista também na Constituição Federal
de 1988. Solicitaram ao MEC a revogação imediata da MP e diálogo transparente e
democrático com a sociedade, por meio das escolas, entidades científicas,
organizações representativas dos docentes e estudantes, enfim, com aqueles
diretamente atingidos por essa reforma. Mudanças bruscas não contribuem com a
ordem democrática, ao contrário geram instabilidade e insegurança num momento
em que mais se precisa de confiança política.
Também se manifestaram em nota os professores/as, estudantes,
profissionais em educação e entidades educacionais, estudantis e sindicais
reunidos no XVII Encontro do Nesef, V Olimpíada do Ensino Médio e I Encontro
Nacional de Educação Filosófica, em 23 de junho
de 2017, na Universidade Federal do Paraná, norteados pelo ideal da formação
integral e pela garantia dos direitos dos cidadãos, vimos a público nos
manifestar: (1) contra as Reformas em curso, em especial, as voltadas ao Ensino
Médio; (2) contra quaisquer intimidações, cerceamento das liberdades
constitucionais de manifestação e organização e ameaças perpetradas pelo Estado
de Exceção. A Reforma do Ensino Médio retira a autonomia das escolas, acaba com
a possibilidade de que as mesmas sejam geridas de forma mais democrática,
desconfigura o papel do/a pedagogo/a escolar, banaliza os conteúdos escolares,
retira a identidade profissional dos/as professores/as, reduz drasticamente o
acesso de estudantes ao conhecimento sistematizado, fere de morte o ensino
noturno, a modalidade Educação de Jovens e Adultos e os cursos de Ensino Médio
Integrado à Educação Profissional, além de direcionar aos empresários da
educação boa parte dos recursos do Fundeb.
Em suma: o que está em
curso não é um projeto modernizante para a educação brasileira, mas o
aprofundamento de um projeto de Estado de caráter privatista e entreguista,
marcado pelo aprofundamento do neoliberalismo, no âmbito, global e pela
“rapinagem” dos recursos públicos, no âmbito nacional.
3.
“REFORMA” DO ENSINO MÉDIO: AVANÇO OU
RETROCESSO NA EDUCAÇÃO?
A fim de responder uma importante
questão que perpassa por diversos setores: educacionais, econômicos ou
trabalhista, proponho-me a refletir sobre os prós e contras referente as
alterações MP 746. Inúmeras intervenções
foram realizadas durante o processo que desencadeou discussões a respeito dessa
reforma. Professores, especialistas em educação, gestores e principalmente
estudantes se posicionaram, em sua maioria, contrários à Reforma do Ensino Médio,
o que resultou em manifestações, ocupações de escolas[6],
cartas de repúdio, que não foram suficientes para barrar a sua aprovação no Congresso
Nacional.
Na fala de Eduardo
Deschamps, no seminário sobre Educação Básica, apresentou os pontos principais
da Reforma do Ensino Médio, perpassam por 5 eixos: flexibilização curricular,
sendo o estudante o protagonista que escolhe o seu caminho escolar; maior
articulação com a educação profissional, direcionada para o mercado de
trabalho; expansão progressiva ao tempo integral, ampliação da carga horária de
800 para 1400 horas; alinhamento com as melhores experiências internacionais,
utiliza países como a Finlândia, como exemplo de educação a ser realizada no
Brasil.
O
especialista em educação e
coordenador da Campanha Nacional pelo Direito a Educação, Daniel Cara destaca dois pontos principais, para enfatizar
a sua perspectiva. Um deles, é a
liberação de distribuição de recursos para a
Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio Integral, cuja
transferência de recursos financeiros prevista para esse fim será efetivada
automaticamente pelo FNDE, dispensada a celebração de convênio, acordo,
contrato ou instrumento congênere, mediante depósitos em conta corrente
específica, legalizando parcerias público-privadas. Outro ponto, é a
dissonância presente na medida provisória, em que uma reforma do ensino médio é
feita sem envolver alunos e professores tem enormes chances de dar errado,
conforme aponta também Libâneo.
Com
bastante frequência, seja devido aos desacordos entre educadores, legisladores
e pesquisadores em relação aos objetivos e às funções da escola, seja pela
atração exercida pelas orientações dos organismos internacionais, muitas das
medidas adotadas pelas políticas oficiais para a educação e o ensino têm o
aspecto de soluções evasivas para os problemas educacionais. Tais soluções
estariam baseadas na ideia de que, para melhorar a educação, bastaria prover
insumos que, atuando em conjunto, incidiriam positivamente na aprendizagem dos
alunos (por exemplo, os ciclos de escolarização), a escola de tempo integral, a
progressão continuada, a gratificação financeira a professores, a progressão
continuada e, recentemente, a implantação do Exame Nacional de Ingresso na
Carreira Docente. (LIBÂNEO, 2012 p.127).
Afirma o MEC, que não
haverá redução, mas sim a flexibilização do currículo, o que permitiria aos
estudantes escolherem diferentes “itinerários formativos”. Com a flexibilização do currículo, o Ensino de Português,
Matemática e Inglês consta como obrigatório nos 3 anos do Ensino Médio. Após inúmeras
discussões, mantém-se o Ensino de Arte, Educação Física, Sociologia e Filosofia.
Percebe-se
que o estudante não terá a liberdade de escolher o itinerário formativo, uma
vez, que os sistemas de ensino serão obrigados a oferecer apenas
um dos cinco “itinerários formativos específicos”.
Conforme
o artigo 36 Lei no 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com as seguintes
alterações na MP 746/16:
O currículo do ensino médio será composto pela Base
Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser
organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a
relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a
saber: I - linguagens
e suas tecnologias; II - matemática
e suas tecnologias; III - ciências
da natureza e suas tecnologias; IV - ciências
humanas e sociais aplicadas e V - formação
técnica e profissional. (BRASIL/MEC/INEP.2016
p.08)
O currículo organizado
por itinerários formativo, em sua prática, não apesenta uma obrigatoriedade de
todas as áreas estarem presentes no currículo do curso, permitindo-se assim,
cursos somente com uma área, provocando o acirramento da exclusão e da
dualidade educacional, uma vez que o estudante, está mercê da sua realidade. Quais
as possibilidades desse estudante frequentar uma escola que oferte um
itinerário do seu interesse distante da sua moradia? Dificuldade no deslocamento, certamente serão
desmotivadoras, visto que muitos estudantes precisam desdobrar entre a carga
horária do trabalho e do estudo. Também através das alterações curriculares
para o “novo” Ensino Médio impactam a carreira docente e sua empregabilidade,
em que a contratação de professores dependerá da demanda e da escolha dos
estudantes em seus itinerários formativos caso, tenha baixa demanda, terá menos
aulas e consequentemente menos emprego ao professor.
A MP 746/16, limita em
quatro anos a implantação das modificações no repasse de recursos da União às
escolas, sendo que, para receber os recursos as escolas deverão implantar
imediatamente as alterações previstas na MP. Em entrevista a professora de
História, Maria Rosa[7], referente ao orçamento
público afirma que as “escolas estão sucateadas e
que continuarão assim, pois a reforma do ensino médio é muito mais para
propaganda do que para qualificar”.
Consta na MP 746/16 que o
estado terá o prazo de 2 anos para as adaptações do Ensino Médio ou ao ano
subsequente à aprovação do Base Nacional Comum Curricular
caso se dê 180 dias antes do início do ano letivo, ou seja, só resta a
aprovação da BNCC para a prática do novo Ensino Médio na rede Pública de
Ensino.
Segundo o MEC, a expansão
do tempo integral compreende a implantação progressiva e será de acordo com
regras do sistema de ensino e do Pano Nacional da Educação, sendo que “em 5
anos a carga horária deve ser ampliada de 800 para 1000 hora anuais,
correspondendo a 50% das escolas e 25% dos estudantes até 2024”. (BRASIL/MEC,
1996 p.63)
Para o
presidente da Conferência Nacional dos Trabalhadores em Educação, Heleno Araújo
menciona que a promessa dessa
expansão na carga horária do Ensino Médio é apenas uma cortina de fumaça que
esconde sua real intenção: comprimir ainda mais essa etapa da escolarização,
esvaziando-a de conteúdo e promovendo sua privatização.
A
privatização e a terceirização das escolas se mostram claras na MP. Primeiro,
cria-se mais um segmento profissional (sem necessidade de habilitação) dentro
da categoria dos trabalhadores em educação (art. 61 da LDB). Para a contratação
desses profissionais bastaria a comprovação de “notório saber”, o que reforça a
afronta a um dos princípios da qualidade da educação já mitigado pela Lei das
Organizações Sociais. Depois admite-se o repasse de parte da ajuda federal aos
estados para pagamento de bolsas de estudo na rede privada. E por último, ao
limitar a “ajuda” da União aos estados em no máximo 4 anos – depois disso os
entes estaduais terão que arcar com as despesas integrais das “novas escolas”
–, abre-se caminho para as parcerias público-privadas sobretudo pela via já
pavimentada das OSs. (ARAÚJO, 2016, p.24)
Essas reflexões
documentadas por legislação, por estudos, apresentam grandes mudanças para um
futuro próximo, pois as alterações possuem prazos curtos para sua
implementação, mas pode ser mais preocupante quando sentindo na sua prática
pedagógica, na situação do estudante e do professor, para o professor Indignado
da Silva em depoimento[8] relata consequências das
alterações na Reforma do Ensino Médio.
As consequências são diversas. Cito duas: i)
Uma das consequências é a negação do direito a uma formação básica de
perspectiva integral, visto que o estudante terá que escolher (se é que terá o
que escolher) mais precocemente, qual o itinerário seguirá, com um conjunto de
disciplinas mais específicas. Haverá uma divisão entre os alunos que poderão
cursar o ensino propedêutico e os que terão à disposição, o ensino técnico,
sabe-se lá com que condições de qualidade (professores, condições físicas,
equipamentos e etc.). ii) outra consequência é que as mudanças tendem a
empurrar os jovens para o ingresso ao mercado de trabalho precocemente e de
forma precária; isto por que, terão menos expectativas para o ingresso na
educação superior. ((INDIGNADO DA SILVA, PROFESSOR, Fonte ENTREVISTA)
Para o Deputado Federal,
Paulo Pimenta é uma cilada a forma como aconteceu as alterações na legislação,
sem haver uma proposta de transformação profunda na educação do país, através
de grandes debates, envolvimento da comunidade escolar e das universidades de
todo país. Entretanto, o que se vê é mais um retrocesso em relação aos
processos e às conquistas democráticas.
Um dos esforços presente
na MP 746/16 é a maior inserção de jovens na escola através do ensino integral
ou profissionalizante. Mas segundo Ramos (2017), a possibilidade de ter
certificação de conclusão de estudos muito ágil, fácil e rápida pode-se
conseguir elevar os números de conclusão de ensino médio muito rapidamente.
Aponta a professora Joana
em entrevista[9]
que a como consequência vai ser “uma escola mínima, com instalações mínimas,
para uma formação igualmente mínima”. Não se melhora a qualidade da educação
por meio de uma Medida Provisória, um instrumento que revela apenas o caráter
profundamente autoritário dessa reforma. A formulação de políticas educacionais
precisa avançar mediante aprofundamento do tema com a participação dos diversos
segmentos sociais, de forma a contemplar a pluralidade e a diversidade de
ideias”.
4. REFORMA
NO ENSINO MÉDIO E A INTERFERÊNCIA NA QUALIDADE DO ENSINO
Uma das principais
alterações produzida pela medida provisória a ser questionada é o artigo 61º que
altera o artigo 36º da LDB ao permitir que profissionais, não licenciados, atuem
como professores nas áreas de formação profissional, denominado como Notório Saber. No dicionário da língua portuguesa Aurélio o
significado para o termo “Notório Saber” refere
ao “título atribuído aos professores ou aos pesquisadores que realizaram
trabalhos cuja importância foi reconhecida”.
Ainda que a proposição esteja restrita ao
itinerário da formação técnica e profissional, ela institucionaliza a
precarização da docência e compromete a qualidade da formação docente. Conforme
a MP 746/16 apresenta em seu texto no artigo 15
Para efeito de cumprimento de
exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão
reconhecer, mediante regulamentação própria, conhecimentos, saberes,
habilidades e competências, mediante diferentes formas de comprovação, como:
I
- demonstração prática;
II - experiência de trabalho supervisionado ou outra
experiência adquirida fora do ambiente escolar;
III - atividades de educação técnica oferecidas em outras
instituições de ensino; IV - cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais;
V - estudos realizados em instituições de
ensino nacionais ou estrangeiras; e
VI - educação a distância ou educação presencial mediada por tecnologias.
” (BRASIL/MEC/INEP.2016
p.03)
Moura & Filho, ambos doutores em Educação,
ao se apropriarem da discussão sobre reforma do Ensino Médio consideram que por
um lado a reforma induz à desqualificação da atividade docente e, por outro,
encaminha a precarização geral das condições de trabalho desses profissionais,
seja dos licenciados ou dos ditos com notório saber. Para os últimos, à
docência frequentemente se apresenta como uma atividade complementar, acumulada
com outros vínculos, o que significa intensificação de trabalho, com a
diversidade e simultaneidade de contratos temporários, e vulneráveis, com
consequências prejudiciais à qualidade do processo educativo.
Cabe
salientar que há critérios para a contratação desses profissionais, sendo a MP 746/16
salienta o uso do notório saber será o para áreas de cursos profissionalizantes.
No artigo 61 da MP 746/16 menciona que os profissionais da educação são os que
atuam na educação escolar básica, estando em efetivo exercício e tendo sido
formados em cursos reconhecidos. Assim, os “profissionais com notório saber”,
que ministrarão ‘disciplinas’ ou conteúdo para a “formação técnica e profissional”,
não estão sujeitos ao caput do Artigo 61, sendo assim uma exceção. Ademais,
salta aos olhos que o inciso IV, incluído pela Lei 13.415/17, contraria o
explicitado no Parágrafo único do Artigo 61:
A
formação dos profissionais da educação, de modo a atender às especificidades do
exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e
modalidades da educação básica, terá como fundamentos: I – a presença de sólida
formação básica, que propicie o conhecimento dos fundamentos científicos e
sociais de suas competências de trabalho; II – a associação entre teorias e
práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço; III – o
aproveitamento da formação e experiências anteriores, em instituições de ensino
e em outras atividades. (BRASIL/MEC/INEP.2016
p.10)
Conforme apresenta no
Dossiê sobre a Reforma do Ensino Médio, organizado pela Conferência Nacional
dos Trabalhadores da Educação - CNTE, qualquer pessoa que passou pela escola,
seja professor ou aluno, sabe que para ser professor é necessário muito mais do
que ter conhecimento dos conteúdos da sua disciplina. Um professor é aquele que
possui uma perspectiva pedagógica, social e cultural suficientemente ampla para
poder desempenhar o papel de educador, fator que não atende a todos os
docentes. Mas, não é esta a preocupação que está em questão nos promotores da
Lei. É na realidade a abertura de outro espaço de mercantilização educacional.
As professoras Monica Ribeiro da Silva e Leda
Scheibe em seu artigo sobre a reforma do ensino médio apontam que a
profissionalização como uma das opções formativas implica uma forma
indiscriminada e igualmente precária de formação técnico-profissional, acentuada
pela privatização por meio de parcerias com o setor privado. O uso de recursos
públicos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para
financiar parcerias com o setor privado, tendo em vista a oferta do itinerário
da formação técnica e profissional, constitui grave ameaça à ampliação da
oferta e da qualidade de todas as etapas da educação básica.
Diante dessa
problematização o docente Indignado da Silva[10] questiona:
Se as reformas forem realmente implantadas, não haverá
profissionais (professores) suficientes para as demandas de formação técnica.
Portanto, quando um profissional com notório saber (em engenheiro, por
exemplo), que passe por uma complementação pedagógica, penso que não seria um
problema para a formação técnica. Mas a questão é: O que se entende por notório
saber? Haverá complementação pedagógica? Teremos profissionais de outras áreas,
ao menos com curso superior dispostos a retornarem aos bancos escolares para
fazerem complementação pedagógica para depois irem dar aulas nos cursos
profissionalizantes para receberem salários irrisórios? (INDIGNADO DA SILVA,
PROFESSOR, Fonte ENTREVISTA)
Conforme aponta em entrevista a professora Maria Rosa[11] a rede estadual (Estado de Santa Catarina) não oferece
cursos de qualificação para os docentes há muito tempo. “Vivemos num total
engessamento do calendário escolar e somos responsáveis pela realização de
atividades que gerem lucros [renda] para manter minimamente o funcionamento das
escolas” Complementa a professora, que desde a implantação da LDB “percebo que as alterações
foram muito mais a nível de legislação do que na prática efetiva,
continuamos como o mesmo modelo de escola de quarenta anos atrás”.
Conforme
menciona em entrevista a professora Maria Rosa com a 23 anos de profissão, a “função” do notório saber desqualifica e
desconsidera totalmente a importância do professor no processo de ensino
aprendizagem. Para o professor William
Simões o notório saber “desconsidera a
necessidade de saberes da docência que são estruturantes da atuação de um
professor na Educação Básica e que são específicos do trabalho docente e que
estão presentes nos cursos de licenciatura”. (SIMÕES, 2017, p 09.)
Sabemos que é necessário ter mudança no processo de ensino, mas sem
prejudicar o processo da construção do conhecimento. Menciona em entrevista o
professor João Pedro que o “Ensino Médio necessita de mudanças, mas não é com a
retirada de investimento, enxugamento de profissionais e ampliação do tempo
integral que vai resolver os problemas atuais da Educação”. Na análise do professor William, que vem
refletido sobre as mudanças da MP 746 aponta algumas dificuldades futuras no
percurso.
Só tem sentido utilizar uma
medida provisória, se ela produzir efeito imediato que possa evitar um prejuízo
pela demora da aprovação de uma lei. Como a medida provisória 746/16 apresenta
uma pendência na elaboração da Base Nacional Comum Curricular que deve demorar
mais do que o prazo de 120 dias - ela não produz qualquer efeito imediato no
currículo do ensino médio. Uma medida emergencial sem emergência. Provoca uma
aceleração no Congresso que poderá julgar a medida provisória e aprovar uma lei
sem saber a real alteração por ela produzida, já que a BNCC não terá sido
definida. O ineditismo do formato e alteração no campo da organização
curricular é algo sem precedentes nas normativas congressuais. Aprovar algo que
ainda não foi definido completamente cria uma incerteza que impede uma
alteração nos projetos pedagógicos que deverão ser adequados ao novo marco
legal. Sem a definição da BNCC do ensino médio, a medida não realiza aquilo que
promete, mas poderá produzir um movimento de mudanças movidas por razões de
economicidade e visões conceituais reducionistas da formação humana. (SIMÕES.
2016, p.05)
Em defesa da educação de
qualidade na escola pública e pela garantia de direitos, o professor Wiliam
Simões alerta que os trabalhadores e trabalhadoras em Educação não podem admitir
segundo o professor William Simões i) a eficiência empresarial capitalista como
pressuposto; ii) a perda de autonomia das escolas e professores sobre o
trabalho político pedagógico e a gestão democrática; iii) o exercício do
monitoramento puramente meritocrático e punitivo por parte de quem seja, em
nome de uma perspectiva autoritária de eficiência e desenvolvimento humano; iv)
processos de ensino e aprendizagem que visam a simplificação da formação humana
no processo de escolarização; v) a precarização do trabalho docente (salários
baixos, falta de material de apoio pedagógico e infraestrutura adequada para o
exercício da docência, tempo para o planejamento das ações pedagógicas, entre
outros); vi) a negação do acesso a conhecimentos científicos consistentes ou a
uma formação intelectual integrada a uma formação para o mundo do trabalho, em
que sejam reconhecidas as diversidades de classe, étnico-racial, territorial,
geracional, sexual e de identidade de gênero, entre outros (SIMOES, 2017. p.12)
Em suma, as
alterações da MP 746/16 não são coerentes com a realidade das escolas públicas
brasileiras, pois forçam uma padronização que não inclui a maior parte dos
estudantes e profissionais da educação. Por parte estudantes, contamos uma rica
diversidade de ensino, como por exemplo, estudantes indígenas, quilombolas, do
campo e da cidade, sendo muitos empobrecidos que não tem a opção de escolha de
ensino.
Para os
professores, cada vez mais, as tarefas escolares aumentam, e há redução nos
salários e nos direitos, que não avançam na valorização e na formação
profissional. Com as oscilações dos investimentos, as escolas já passam por
dificuldades no que se refere a sua manutenção, e que traz um desafio para uma
proposta que prevê novas estruturas, novas formas de ensino, novos
profissionais, sendo o “novo” uma reforma daquilo que não deu certo há muito
tempo.
Portanto,
a MP 746/16 é uma falácia para a educação Brasileira, e os prejudicados são
todos aqueles que estão inseridos na sociedade, seja pelo espaço escolar,
econômico e político. Os professores entrevistados para a presente pesquisa
sentem frustrados com aprovação da Reforma da Médio Ensino, pois entendem que
“reforma” serve para melhorias, para o bem-estar, e não para a retrocesso, o
engessamento, a padronização de ensino que ocasionará na educação brasileira.
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os próximos passos da
Educação brasileira a serem realizados a partir do ano de 2017 para a devida
implantação da reforma do Ensino Médio são a elaboração da BNCC e as
orientações do novo ensino pelo MEC, aprovação da BNCC pelo CNE, adequação dos
currículos e PPPs pelas escolas, aprovação e adequações de currículos e PPPs
pelo CEE, formação dos professores do Novo Ensino Médio e o início da oferta
dos novos currículos do Ensino Médio pelas escolas. A fim de considerar
a relação estabelecida entre o Notório Saber, o ensino profissionalizante e os
itinerários formativos percebe-se que a mudança/lei 13.415 procura enxugar as
condições de trabalho dos docentes deslocando somente para uma escola mas ao
mesmo tempo ampliar a carga horária aos estudantes. Diante disso, outros
entraves foram gerados.
O
sistema precisa de mão de obra barata não pensante que operacionalize sem
questionar, sem ouvir as demandas da base da educação formada por profissionais
da educação e estudantes. Vale ressaltar que há uma profunda
frustração entre os professores, principalmente para os participaram dos
debates que deram suporte para a construção do Plano Nacional de Educação (PNE).
Um desrespeito total, não apenas para com os professores, mas para o conjunto
de entidades e movimentos sociais que participaram da construção.
Percebemos a partir dessa
realidade o déficit do notório saber, que por parte governamental será
“somente” para cargos profissionalizantes, mas afinal, qual o sentido do “Novo”
Ensino Médio, a não ser, profissionalizar/formar em curto tempo os estudantes?
Inicialmente a proporção pode ser pequena, poucas escolas aderidas, mas em
grande proporção, como ficará a qualificação do ensino?
Aliás, o que esperar de
um governo ilegítimo? Portanto a reforma, em seu conjunto, representa um
retrocesso para a educação do país. A proposta é pragmática: aumentar o desenvolvimento
econômico do país, qualificar em grande escala mão de obra. Dar empregabilidade
aos jovens no setor de mão de obra barata. Como ficarão os diversos cursos de
licenciaturas abertos nas diversas universidades públicas? Terão estudantes?
Uma das possíveis saídas
para os questionamentos acima seriam a valorização real da carreira de professor
que além de baixos salários não vê reajuste há anos, a diminuição das
exaustivas cargas horárias de trabalho e auxílios financeiros para que o
professor pudesse continuamente aprofundar e atualizar a sua formação, a efetivação
imediata através de concurso público dos professores ACTs que trabalham o mesmo
que um efetivo numa condição precária, muitos divididos em várias escolas, sem
ter seus direitos trabalhistas garantidos.
Mesmo se desconsiderássemos a
Reforma do Ensino e a PEC55/241, a realidade nas escolas já seria de profundos
cortes de verbas que impactam o cotidiano escolar: falta impressora, merenda,
materiais de limpeza e secretaria, terceirizados da limpeza e cozinha
sistematicamente tendo seus salários atrasados em diversas cidades do Estado.
Evidente que é pura demagogia os defensores
da Reforma do Ensino e da PEC 55/241, medidas que pioraram ainda mais
bruscamente esse quadro, falarem que estão preocupados com a “qualidade da
educação”.
Discursos
e ações já desencadeadas por secretarias de estado da educação, mudança na
BBCC, PNE, PPPs nos permitem evidenciar que este cenário ampliou ainda mais as
possibilidades de parcerias público-privadas ou com organizações sociais ditas
filantrópicas para atuar no campo educacional, visando garantir a implementação
deste “Novo Ensino Médio”.
6.
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desdobramentos possíveis. Chapecó. 2017.
[1] Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Curso de Especialização em Educação do Campo com ênfase em
Estudos da Realidade Brasileira, como requisito parcial para obtenção do título
de especialista, orientado pela professora Drª Claudete Gomes Soares,
professora do Curso de Ciências Sociais da UFFS-Campus Chapecó e coordenadora
do NEABI (Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas)
[2] Professora de Sociologia na Rede
Estadual de Ensino de Santa Catarina graduada em Ciências Sociais pela
Universidade Federal da Fronteira Sul, atuante no movimento sindical.
[3] Alteração na Constituição Federal, no
qual os acordos coletivos de trabalho serão definidos entre a empresa e
funcionários, que afetará drasticamente as leis trabalhistas definidas pela CLT
As alterações previstas pela Reforma Trabalhista afetam o direito a férias,
podendo ser divididas em três períodos; O intervalo dentro da jornada de
trabalho poderá ser negociado, desde que tenha, no mínimo, 30 minutos nas
jornadas maiores do que seis horas, entre outros direitos que serão reduzidos.
[5] Informações
obtidas durante o seminário sobre Educação realizado no dia 18 de julho
em Chapecó para professores do Ensino Médio Noturno.
[6]
Em todo o pais, estudantes da
rede pública de ensino ocuparam escolas como protesto a Reforma do Ensino
Médio. O movimento foi liderado pelo movimento estudantil e apoio de demais
movimentos sociais. As ocupações das escolas tiveram maior êxito no estado do
Paraná com mais de 700 escolas ocupadas, interrompendo o calendário escolar. O
movimento estudantil avalia que as ocupações das escolas foram de grande
importância pincipalmente pela conscientização dos estudantes na busca de maior
qualidade no ensino e na garantia dos direitos a educação.
[7] Nome fictício. Professora da
disciplina de História com 25 anos de carreira docente. Fonte: Entrevista.
[8] Depoimento
extraído da entrevista semi-estruturada realizada com vários docentes de
diversas áreas do conhecimento da rede pública ensino. Os participantes
permitiram o uso das informações, cientes que seriam identificados por nomes
fictícios.
[9]
Nome Fictício da professora da Disciplina de Educação Física, aposentada
na rede pública de ensino.
[10] Nome fictício. Professor da
Disciplina de Física com 23 anos de carreira docente.
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