quarta-feira, 9 de agosto de 2017

REFORMA DO ENSINO MÉDIO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE SOBRE O “NOTÓRIO SABER” PARA O EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA



REFORMA DO ENSINO MÉDIO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE SOBRE O “NOTÓRIO SABER” PARA O EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA[1]
Camila Pelegrini[2]
Resumo

Esse artigo visa compreender as alterações da Medida Provisória número 746 na Reforma do Ensino Médio Brasileiro, estudo desenvolvido no âmbito do Curso de Educação do Campo com ênfase em Estudos da Realidade Brasileira da Universidade Federal da Fronteira Sul, campus de Chapecó. O referente artigo vai abordar o tema: Reforma do Ensino Médio: uma análise sobre o notório saber, com o objetivo de analisar os efeitos e as alterações da MP nº 746 lançada pelo Ministério da Educação (MEC), na legislação vigente brasileira, através dos métodos educacionais enfatizando o Notório Saber e suas implicações na relação entre profissionais da educação e os estudantes da Rede Pública de Ensino.

Palavras-chave: Reforma do Ensino Médio, MP 746; Notório Saber; LDB.


1.      INTRODUÇÃO

A discussão sobre a mudança no currículo do Ensino Médio Brasileiro é antiga. No Governo de Dilma Rousseff nos anos de 2010 a 2015 pretendia-se retirar algumas disciplinas, como as da área de humanas, Sociologia e Filosofia com o objetivo de diminuir o número de disciplinas no Governo A possível retirada, que não aconteceu nesse período, ocasionou revolta aos professores das áreas e por mais alguns meses a discussão se estagnou. As dozes disciplinas presente no currículo compreendia uma carga expressiva para os estudantes, devido a dupla jornada enfrentada pelos estudantes, o estudo e o trabalho.
No governo de Michel Temer no ano de 2016, a discussão da reforma do Ensino Médio volta à tona, juntamente com inúmeras mudanças. O estopim desse período foi a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) número 241, posteriormente denominada PEC nº55 altera artigos da Constituição Federal principalmente no contexto da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.
Uma das mudanças consequência da PEC 55 foi a Reforma Trabalhista[3] aprovada pelo Senado em 11 de julho de 2017, e sancionada pelo Presidente da República Michel Temer, A inicialmente PEC 55, batizada Medida provisória número 746, limitará o crescimento da despesa primária da União no prazo de 20 anos em vários setores, mas significativa nas áreas da educação, pela Mudança da Medida provisória número 746.
O congelamento dos investimentos estende-se de 2017 até 2036, conforme a variação da inflação calculada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do ano anterior. Dessa forma, o desequilíbrio entre a receita e a despesa vem sendo utilizado pelo governo do presidente Michel Temer como a justificativa para a reestruturação da economia brasileira para os próximos anos.
Essa reorganização econômica proposta pelo governo brasileiro significa restrição nos investimentos, ocasionando grandes consequências no bem-estar e desenvolvimento da qualificação docente. Das principais consequências na educação básica em que uma grande parte dos professores atualmente enfrentam estão: a alteração na carreira docente que aumento de despesa; Admissão ou contratação pessoal, a qualquer título com exceção no caso de reposição de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos; Restrição na realização de concurso público.
Como parte desse processo de reestruturação da economia brasileira tem-se também a alteração na Lei de Diretrizes de Base (LBD) através da Medida Provisória número 746 (MP nº746), prevê, grandes perdas na área da educação
Em 22 de setembro de 2016 foi instituído pelo presidente da república Michel Temer a medida provisória nº 746, constituída por 14 artigos que em 16 de fevereiro de 2017 pela portaria 727 de 13 de junho de 2017 denomina-se Lei 13.415 implementa Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral e altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelecendo: a) as diretrizes e bases da educação nacional, b) a Lei nº 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação e dá outras providências.
 O uso do termo Medida Provisória nº 746será predominante durante o artigo, mesmo que a Medida provisória referida já se tornou na Lei 13, 4, em 16 de fevereiro de 2017.  Mas como ainda essa lei não foi incluída na terceira versão da Base Nacional Comum Curricular, mante-se a nomenclatura de MP nº 746
Considerando que o foco dessa pesquisa é a Reforma do Ensino Médio, cabe aqui salientar a análise de algumas mudanças e consequências propostas pela MP nº 746 que introduz mudança profunda na estrutura do Ensino Médio, uma delas é pelo artigo 61, que altera o artigo 36 da Leis de Diretrizes de Basse, permitindo partir da alteração, a permissão de profissionais, não licenciados, atuem como professores nas áreas de formação profissional, notório saber.
Vale ressaltar que na MP nº 746 traz outras alterações que serão abordadas conforme a importância para o tema o notório saber, que organiza esse artigo. Pelo fato da pesquisa ser no âmbito educacional, o tema será abordado colocando em questão a preocupação com a formação e valorização dos profissionais da educação. No entendimento da MP nº746, artigo 61º, qualquer saber pode ser considerado importante para a aprendizagem e a mediação do conhecimento. Diante disso, diversos profissionais poderão não atuar especificamente em suas áreas de formação, debilitando o processo formativo dos estudantes.
Conforme referido no artigo nº 206 inciso V em que a valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas, redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006, em que se dava por contratação temporária.
Surge daí a relevância de abordar o tema através da Reforma do Ensino Médio, analisando a construção, a mediação do saber, por sua vez, questionador e gerador do conhecimento no processo educacional. Com o objetivo de analisar os efeitos da medida provisória número 746 lançada pelo Ministério da Educação (MEC) a partir da sua aprovação, que permite a contratação de profissionais da educação não licenciados, atuem em área de formação profissional através no Notório Saber.
Diante disso, a pesquisa deu-se por entrevistas de dez professores de diversas áreas de Ensino da Educação Básica do estado de Santa Catarina. Os depoimentos dos professores foram fundamentais para o desencadear desse artigo visto que eles são o “chão” da escola básica, e enfrentam diariamente os conflitos, as demandas, as discussões, muitas vezes imposta pela legislação educacional brasileira (LBD, BBCC, Constituição Federal) que não condizem com a realidade da comunidade escolar. A reflexão será embasada na legislação brasileira e pelas contribuições dos autores que abordam a temática da Educação, como Antônio Gramsci, Dermeval Saviani e José Líbaneo

2.        UM OLHAR SOBRE A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA
O Ensino Médio tem sido alvo de disputas que se acirraram nos últimos 20 anos. A partir do momento em que é sancionada a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/96) tivemos, em menos de 15 anos, duas diretrizes curriculares aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (Resolução CNE/CEB 03/1998 e a Resolução CNE/CEB 02/2012). Esses textos possuem a finalidade de normatizar a oferta na organização curricular e divergem substantivamente no que propõem quanto à identidade e às finalidades dessa etapa da educação.
          A educação básica de ensino tem se mostrado, no envolver histórico educacional, um componente complexo que sustenta a duradoura exploração humana voltada as relações de trabalho. Dessa forma, as alternativas presentes atualmente distanciam-se na busca da emancipação humana, pois não atende totalmente a formação crítica, reflexiva e processual em se apresenta na legislação e nos princípios para a prática do ensino e aprendizagem.
          Como base no artigo nº 206 da Constituição Federal o ensino será ministrado pelos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. BRASIL, 1988, p.121)

Mediante a essas orientações percebe-se que o ensino deverá atender a valorização dos docentes, na medida em que prevê a contratação por concurso público, a efetivação de docentes, garantindo o padrão de qualidade. Mas na realidade, poucas gestões governamentais atendem a essa legislação, conforme aponta o gráfico abaixo.
Fonte: Resultados do Censo Escolar, CNTE, 2013.

Na maioria dos estados brasileiros os profissionais da educação em regime de contratação temporária equivalem de 20 a 60 % do quadro o menor índice acontece no estado do Rio de Janeiro com até 20%. Já no estado de Santa Catarina esse índice aumenta para 60%. São denominados Assistentes de Caráter Temporário (ACT), que passam por um processo seletivo, atualmente válido por dois anos e conforme classificação realiza-se a escolha de aulas.
Fonte: Fonte: Resultados do Censo Escolar, CNTE, 2013.

Outro dado que vale ressaltar é a forma que esses profissionais da Educação estão divididos. Na rede estadual, destaca-se a contratação de caráter temporário com 31,3%, e somente 0,2% contratação por terceirizados[4], número esse que tende a mudar com a aprovação do Novo Ensino Médio.
Durante um seminário sobre educação básica para docentes do Ensino Médio Noturno, realizado em Chapecó-SC, Eduardo Deschamps[5] atual presidente do Conselho Nacional da Educação (CNE) e secretário da educação do estado de Santa Catariana, mencionou que o método utilizado para contratação de professores em regime de ACTs, não é mais viável, entende-se a terceirização será a alternativa a esse regime. Com isso a qualidade do ensino e valorização do profissional da educação disputam investimentos para saciar a sua demanda.
Contudo na Lei 13.005/2014 do Plano Nacional da Educação (PNE), especificamente no artigo 11º, fica na responsabilidade do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, coordenado pela União, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a avaliação da qualidade da educação básica e para a orientação das políticas públicas desse nível de ensino:

II - indicadores de avaliação institucional, relativos a características como o perfil do alunado e do corpo dos (as) profissionais da educação, as relações entre dimensão do corpo docente, do corpo técnico e do corpo discente, a infraestrutura das escolas, os recursos pedagógicos disponíveis e os processos da gestão, entre outras relevantes. (BRASIL/MEC/INEP, 1998, p.04)


Diante disso, a responsabilidade da garantia da qualidade na educação básica cabe as três instâncias Consta no PNE, sob Lei 13.005/2014, em seu Artigo 9º, que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão aprovar leis específicas para os seus sistemas de ensino, disciplinando a gestão democrática da educação pública nos respectivos âmbitos de atuação, no prazo de 2 (dois) anos contado da publicação desta Lei (25 de junho de 2016), adequando, quando for o caso, a legislação local já adotada com essa finalidade.
No que se refere a LDB (1996), na Lei n. 9.394/1996 Artigo 3º e no artigo 15º que o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: “gestão democrática do Ensino Público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais”.
Segundo o PNE (1998) os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público. De fato, as garantias de preservação dos direitos a qualidade de ensino estão previstas na LDB, mas na prática percebe uma ausência do poder executivo federal e estadual, o investimento é reduzido dificultando a formação continuada dos profissionais da educação. Essa redução de investimento se faz presente no processo primário do professor em sua formação acadêmica. Conforme o gráfico abaixo percebe-se que há uma mudança no quadro do docente da Educação Básica que oscila de 80% a 22,6% das áreas de Ensino.
Fonte: Resultados do Censo Escolar, CNTE, 2013.

Está presente na LDB sob Lei n. 9.394/1996 no Artigo 62º que;

 A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013). (BRASIL/MEC. 1996, p.12)


A meta 15ª do PNE (1996) prevê que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam, porém isso não acontece na prática educacional, pois atualmente, na maioria dos estados, a formação em área específica não atende à demanda, ocasionando uma “deficiência” na qualidade do ensino e aprendizagem.  Conforme aponta em entrevista a professora Joana a preocupação com as disciplinas de licenciaturas, em que poderá ser substituída ou unificada por áreas a fins através do notório saber, quer incluir o ensino de bacharelado no currículo do ensino técnico profissionalizante
.
A MP nº746 salienta que a contração por notório saber será somente para o ensino profissionalizante e não afetará a maior parte da educação, porém, a lógica da reforma do ensino médio é ampliar o ensino profissionalizante, ou seja, ampliará a contratação por notório saber. Sendo assim, creio que diminuirá o interesse no ingresso por cursos de licenciaturas, pois, o mercado de trabalho da Educação, terá mais concorrência, com outros tipos de ensino, seja ele, principalmente por qualquer curso técnico que emite um diploma. (JOANA, PROFESSORA, Fonte ENTREVISTA)

Conforme apresenta na MP 746/16, a proposta de organização curricular baseia-se na definição de competências reducionista do papel da escola, sobretudo da última etapa da educação básica. As competências estão direcionadas a lógica de formar o estudante para o mercado de trabalho. Crítico sobre o processo educacional, Antônio Gramsci, já apontava em seus estudos no contexto da “Reforma Gentile” na década de 1930 a reforma educacional fascista que tinha como fim organizar o sistema educacional italiano para atender aos anseios do grupo hegemônico, a classe burguesa. Na tradução dos escritos nos anos de 1960, Gramsci com base na sua trajetória estudantil, que a formação educacional do indivíduo era ofertada coa sua origem social, conforme o pertencimento de classe, se atribuía funções.

O advento da escola unitária significa o início de novas relações entre o trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda vida social. O princípio, por isso, refletir-se-á em todos os organismos de cultura, transformando-os e emprestando-lhes um novo conteúdo. (GRAMSCI, 1968, p. 125).


A escola unitária compreende com base educacional italiana, uma evolução das classes subalternas a inserção ao ensino, oportunizando filhos de operários a sua formação. Diante desse quadro, a escola unitária proposta por Gramsci seria a base para a luta contra a formação cultural discrepante entre as diferentes classes sociais (Martins. 2012 p.04). Diante disso, sabe-se que para a classe trabalhadora, aquela que compõe a maior parte da população, não há garantias de uma vida estável no âmbito do trabalho e estudo.
 Historicamente no Brasil a educação básica e a educação profissional são relacionadas pela dualidade de um lado, um ensino geral e do outro, a educação profissional e tecnicista. Segundo a mestre em educação Adriana Martins (2012) o quadro predominante, até o século XIX, continha a educação propedêutica para as elites, voltada para a formação de futuros dirigentes, e a educação profissional para os trabalhadores de baixa renda.

Na escola atual, em função da crise profunda da tradição cultural e da concepção da vida e do homem, verifica-se um processo de progressiva degenerescência: as escolas de tipo profissional, isto é, preocupadas em satisfazer interesses práticos imediatos, predominam sobre a escola formativa, imediatamente desinteressada. O aspecto mais paradoxal reside em que este novo tipo de escola aparece e é louvada como democrático, quando na realidade, não só é destinado a perpetuar as diferenças sociais, como ainda a cristalizá-las em formas chinesas. (GRAMSCI, 2001, p. 49).

Considerando que no Brasil o ensino técnico, profissional e industrial aparece na Constituição de Federal de 1934, inúmeras críticas surgem até o atual período. Em uma análise mais recente, Dermeval Saviani aponta que a grande crise do Ensino Médio sempre residiu no fato de sua indefinição: ora deve ser um fim em si mesmo e, desta forma, ser profissionalizante, ora deve ser um meio para atingir realidades subsequentes, isto é, o Ensino Médio deve ser instrumento de preparação para o Ensino Superior.

O Deputado Federal do Partido dos Trabalhadores Paulo Pimenta, em nota, aponta que para muitos educadores está ocorrendo um retorno ao modelo da educação da Ditadura Militar, quando o sistema educacional era organizado de forma paralela, para quem seguiria a formação técnica para o trabalho e para quem seguiria a formação clássica e científica. Conforme os docentes das áreas das ciências naturais e exatas não precisassem aprofundar conhecimentos de ciências humanas, por exemplo, ou vice-versa. Em depoimento o professor Indignado da Silva, menciona sua preocupação.

Não há como se pensar na formação de sujeitos numa perspectiva (propósitos) de integralidade, que procure contemplar as diferentes dimensões da vida humana, sem a participação efetiva destas disciplinas. Tal proposta é uma demonstração clara de que o governo Temer faz opção pelas questões econômicas, não pelas questões
humanas. (INDIGNADO DA SILVA, PROFESSOR, Fonte ENTREVISTA)


Para a professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Marise Ramos, a síntese dessa medida é uma formação precária, que vai se interferir na formação principalmente, para os filhos da classe trabalhadora. Sendo assim, esse modelo é o mesmo que eliminar da escola a liberdade de pensamento e concepções. É o modelo que, por meio de censura e repressão, impede a formação para a compreensão crítica da realidade social e para o exercício da cidadania, principalmente quando não há obrigatoriedade das disciplinas de Filosofia e Sociologia no seu currículo.  


A reforma curricular, concebida na Lei n. 13.415 de 16/02/2017 que regulamenta a Medida Provisória nº 746 que retira a obrigatoriedade do ensino de Filosofia e Sociologia no EM. (Altera o artigo 36/LDB) é uma nova forma de distribuição do conhecimento socialmente produzido, colocando o ensino médio a serviço da produção de sujeitos técnica e subjetivamente preparados do ponto de vista instrumental, tendo em vista os interesses do capital. Daí a pouca atenção voltada à formação de sentido amplo e crítico, ou sua secundarização, assim como a exclusão, como obrigatórias, de disciplinas como Filosofia e Sociologia. 
A possível retirada dessas disciplinas é mais uma afrontada a educação pública.  Diante disso em nota a Sociedade Brasileira de Sociologia declara seu posicionamento contrário à proposta de Reforma do Ensino Médio, apresentada no dia 22/09/2016 pelo Ministério da Educação ao Presidente da República, para ser implementada na forma de Medida Provisória.  
A proposta fere substancialmente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, pois modifica as exigências de conteúdos ali previstos, a formação de docentes requeridas para ministrar aulas nessa etapa da Educação Básica e a metodologia de pactuação das políticas educacionais prevista também na Constituição Federal de 1988. Solicitaram ao MEC a revogação imediata da MP e diálogo transparente e democrático com a sociedade, por meio das escolas, entidades científicas, organizações representativas dos docentes e estudantes, enfim, com aqueles diretamente atingidos por essa reforma. Mudanças bruscas não contribuem com a ordem democrática, ao contrário geram instabilidade e insegurança num momento em que mais se precisa de confiança política. 

Também se manifestaram  em nota os professores/as, estudantes, profissionais em educação e entidades educacionais, estudantis e sindicais reunidos no XVII Encontro do Nesef, V Olimpíada do Ensino Médio e I Encontro Nacional de Educação Filosófica, em 23 de junho de 2017, na Universidade Federal do Paraná, norteados pelo ideal da formação integral e pela garantia dos direitos dos cidadãos, vimos a público nos manifestar: (1) contra as Reformas em curso, em especial, as voltadas ao Ensino Médio; (2) contra quaisquer intimidações, cerceamento das liberdades constitucionais de manifestação e organização e ameaças perpetradas pelo Estado de Exceção. A Reforma do Ensino Médio retira a autonomia das escolas, acaba com a possibilidade de que as mesmas sejam geridas de forma mais democrática, desconfigura o papel do/a pedagogo/a escolar, banaliza os conteúdos escolares, retira a identidade profissional dos/as professores/as, reduz drasticamente o acesso de estudantes ao conhecimento sistematizado, fere de morte o ensino noturno, a modalidade Educação de Jovens e Adultos e os cursos de Ensino Médio Integrado à Educação Profissional, além de direcionar aos empresários da educação boa parte dos recursos do Fundeb.
Em suma: o que está em curso não é um projeto modernizante para a educação brasileira, mas o aprofundamento de um projeto de Estado de caráter privatista e entreguista, marcado pelo aprofundamento do neoliberalismo, no âmbito, global e pela “rapinagem” dos recursos públicos, no âmbito nacional.


3.         “REFORMA” DO ENSINO MÉDIO: AVANÇO OU RETROCESSO NA EDUCAÇÃO?
A fim de responder uma importante questão que perpassa por diversos setores: educacionais, econômicos ou trabalhista, proponho-me a refletir sobre os prós e contras referente as alterações MP 746. Inúmeras intervenções foram realizadas durante o processo que desencadeou discussões a respeito dessa reforma. Professores, especialistas em educação, gestores e principalmente estudantes se posicionaram, em sua maioria, contrários à Reforma do Ensino Médio, o que resultou em manifestações, ocupações de escolas[6], cartas de repúdio, que não foram suficientes para barrar a sua aprovação no Congresso Nacional.
Na fala de Eduardo Deschamps, no seminário sobre Educação Básica, apresentou os pontos principais da Reforma do Ensino Médio, perpassam por 5 eixos: flexibilização curricular, sendo o estudante o protagonista que escolhe o seu caminho escolar; maior articulação com a educação profissional, direcionada para o mercado de trabalho; expansão progressiva ao tempo integral, ampliação da carga horária de 800 para 1400 horas; alinhamento com as melhores experiências internacionais, utiliza países como a Finlândia, como exemplo de educação a ser realizada no Brasil.
O especialista em educação e coordenador da Campanha Nacional pelo Direito a Educação, Daniel Cara destaca dois pontos principais, para enfatizar a sua perspectiva.  Um deles, é a liberação de distribuição de recursos para a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio Integral, cuja transferência de recursos financeiros prevista para esse fim será efetivada automaticamente pelo FNDE, dispensada a celebração de convênio, acordo, contrato ou instrumento congênere, mediante depósitos em conta corrente específica, legalizando parcerias público-privadas. Outro ponto, é a dissonância presente na medida provisória, em que uma reforma do ensino médio é feita sem envolver alunos e professores tem enormes chances de dar errado, conforme aponta também Libâneo.

Com bastante frequência, seja devido aos desacordos entre educadores, legisladores e pesquisadores em relação aos objetivos e às funções da escola, seja pela atração exercida pelas orientações dos organismos internacionais, muitas das medidas adotadas pelas políticas oficiais para a educação e o ensino têm o aspecto de soluções evasivas para os problemas educacionais. Tais soluções estariam baseadas na ideia de que, para melhorar a educação, bastaria prover insumos que, atuando em conjunto, incidiriam positivamente na aprendizagem dos alunos (por exemplo, os ciclos de escolarização), a escola de tempo integral, a progressão continuada, a gratificação financeira a professores, a progressão continuada e, recentemente, a implantação do Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente. (LIBÂNEO, 2012 p.127).
Afirma o MEC, que não haverá redução, mas sim a flexibilização do currículo, o que permitiria aos estudantes escolherem diferentes “itinerários formativos”. Com a flexibilização do currículo, o Ensino de Português, Matemática e Inglês consta como obrigatório nos 3 anos do Ensino Médio. Após inúmeras discussões, mantém-se o Ensino de Arte, Educação Física, Sociologia e Filosofia.
Percebe-se que o estudante não terá a liberdade de escolher o itinerário formativo, uma vez, que os sistemas de ensino serão obrigados a oferecer apenas um dos cinco “itinerários formativos específicos”.
Conforme o artigo 36 Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com as seguintes alterações na MP 746/16:
O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber:  I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias;  IV - ciências humanas e sociais aplicadas e V - formação técnica e profissional.  (BRASIL/MEC/INEP.2016 p.08)

O currículo organizado por itinerários formativo, em sua prática, não apesenta uma obrigatoriedade de todas as áreas estarem presentes no currículo do curso, permitindo-se assim, cursos somente com uma área, provocando o acirramento da exclusão e da dualidade educacional, uma vez que o estudante, está mercê da sua realidade. Quais as possibilidades desse estudante frequentar uma escola que oferte um itinerário do seu interesse distante da sua moradia?  Dificuldade no deslocamento, certamente serão desmotivadoras, visto que muitos estudantes precisam desdobrar entre a carga horária do trabalho e do estudo. Também através das alterações curriculares para o “novo” Ensino Médio impactam a carreira docente e sua empregabilidade, em que a contratação de professores dependerá da demanda e da escolha dos estudantes em seus itinerários formativos caso, tenha baixa demanda, terá menos aulas e consequentemente menos emprego ao professor.
A MP 746/16, limita em quatro anos a implantação das modificações no repasse de recursos da União às escolas, sendo que, para receber os recursos as escolas deverão implantar imediatamente as alterações previstas na MP. Em entrevista a professora de História, Maria Rosa[7], referente ao orçamento público afirma que as “escolas estão sucateadas e que continuarão assim, pois a reforma do ensino médio é muito mais para propaganda do que para qualificar”.
Consta na MP 746/16 que o estado terá o prazo de 2 anos para as adaptações do Ensino Médio ou ao ano subsequente à aprovação do Base Nacional Comum Curricular caso se dê 180 dias antes do início do ano letivo, ou seja, só resta a aprovação da BNCC para a prática do novo Ensino Médio na rede Pública de Ensino.
Segundo o MEC, a expansão do tempo integral compreende a implantação progressiva e será de acordo com regras do sistema de ensino e do Pano Nacional da Educação, sendo que “em 5 anos a carga horária deve ser ampliada de 800 para 1000 hora anuais, correspondendo a 50% das escolas e 25% dos estudantes até 2024”. (BRASIL/MEC, 1996 p.63)
Para o presidente da Conferência Nacional dos Trabalhadores em Educação, Heleno Araújo menciona que a promessa dessa expansão na carga horária do Ensino Médio é apenas uma cortina de fumaça que esconde sua real intenção: comprimir ainda mais essa etapa da escolarização, esvaziando-a de conteúdo e promovendo sua privatização.

A privatização e a terceirização das escolas se mostram claras na MP. Primeiro, cria-se mais um segmento profissional (sem necessidade de habilitação) dentro da categoria dos trabalhadores em educação (art. 61 da LDB). Para a contratação desses profissionais bastaria a comprovação de “notório saber”, o que reforça a afronta a um dos princípios da qualidade da educação já mitigado pela Lei das Organizações Sociais. Depois admite-se o repasse de parte da ajuda federal aos estados para pagamento de bolsas de estudo na rede privada. E por último, ao limitar a “ajuda” da União aos estados em no máximo 4 anos – depois disso os entes estaduais terão que arcar com as despesas integrais das “novas escolas” –, abre-se caminho para as parcerias público-privadas sobretudo pela via já pavimentada das OSs. (ARAÚJO, 2016, p.24)

Essas reflexões documentadas por legislação, por estudos, apresentam grandes mudanças para um futuro próximo, pois as alterações possuem prazos curtos para sua implementação, mas pode ser mais preocupante quando sentindo na sua prática pedagógica, na situação do estudante e do professor, para o professor Indignado da Silva em depoimento[8] relata consequências das alterações na Reforma do Ensino Médio.

 As consequências são diversas. Cito duas: i) Uma das consequências é a negação do direito a uma formação básica de perspectiva integral, visto que o estudante terá que escolher (se é que terá o que escolher) mais precocemente, qual o itinerário seguirá, com um conjunto de disciplinas mais específicas. Haverá uma divisão entre os alunos que poderão cursar o ensino propedêutico e os que terão à disposição, o ensino técnico, sabe-se lá com que condições de qualidade (professores, condições físicas, equipamentos e etc.). ii) outra consequência é que as mudanças tendem a empurrar os jovens para o ingresso ao mercado de trabalho precocemente e de forma precária; isto por que, terão menos expectativas para o ingresso na educação superior. ((INDIGNADO DA SILVA, PROFESSOR, Fonte ENTREVISTA)


Para o Deputado Federal, Paulo Pimenta é uma cilada a forma como aconteceu as alterações na legislação, sem haver uma proposta de transformação profunda na educação do país, através de grandes debates, envolvimento da comunidade escolar e das universidades de todo país. Entretanto, o que se vê é mais um retrocesso em relação aos processos e às conquistas democráticas.
Um dos esforços presente na MP 746/16 é a maior inserção de jovens na escola através do ensino integral ou profissionalizante. Mas segundo Ramos (2017), a possibilidade de ter certificação de conclusão de estudos muito ágil, fácil e rápida pode-se conseguir elevar os números de conclusão de ensino médio muito rapidamente.  
Aponta a professora Joana em entrevista[9] que a como consequência vai ser “uma escola mínima, com instalações mínimas, para uma formação igualmente mínima”. Não se melhora a qualidade da educação por meio de uma Medida Provisória, um instrumento que revela apenas o caráter profundamente autoritário dessa reforma. A formulação de políticas educacionais precisa avançar mediante aprofundamento do tema com a participação dos diversos segmentos sociais, de forma a contemplar a pluralidade e a diversidade de ideias”.

4.    REFORMA NO ENSINO MÉDIO E A INTERFERÊNCIA NA QUALIDADE DO ENSINO
Uma das principais alterações produzida pela medida provisória a ser questionada é o artigo 61º que altera o artigo 36º da LDB ao permitir que profissionais, não licenciados, atuem como professores nas áreas de formação profissional, denominado como Notório Saber.  No dicionário da língua portuguesa Aurélio o significado para o termo “Notório Saber” refere ao “título atribuído aos professores ou aos pesquisadores que realizaram trabalhos cuja importância foi reconhecida”.

 Ainda que a proposição esteja restrita ao itinerário da formação técnica e profissional, ela institucionaliza a precarização da docência e compromete a qualidade da formação docente. Conforme a MP 746/16 apresenta em seu texto no artigo 15

Para efeito de cumprimento de exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer, mediante regulamentação própria, conhecimentos, saberes, habilidades e competências, mediante diferentes formas de comprovação, como:
I - demonstração prática;
II - experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora do ambiente escolar;III - atividades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino; IV - cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais;V - estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras; eVI - educação a distância ou educação presencial mediada por tecnologias. ” (BRASIL/MEC/INEP.2016 p.03)

 Moura & Filho, ambos doutores em Educação, ao se apropriarem da discussão sobre reforma do Ensino Médio consideram que por um lado a reforma induz à desqualificação da atividade docente e, por outro, encaminha a precarização geral das condições de trabalho desses profissionais, seja dos licenciados ou dos ditos com notório saber. Para os últimos, à docência frequentemente se apresenta como uma atividade complementar, acumulada com outros vínculos, o que significa intensificação de trabalho, com a diversidade e simultaneidade de contratos temporários, e vulneráveis, com consequências prejudiciais à qualidade do processo educativo.
Cabe salientar que há critérios para a contratação desses profissionais, sendo a MP 746/16 salienta o uso do notório saber será o para áreas de cursos profissionalizantes. No artigo 61 da MP 746/16 menciona que os profissionais da educação são os que atuam na educação escolar básica, estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos. Assim, os “profissionais com notório saber”, que ministrarão ‘disciplinas’ ou conteúdo para a “formação técnica e profissional”, não estão sujeitos ao caput do Artigo 61, sendo assim uma exceção. Ademais, salta aos olhos que o inciso IV, incluído pela Lei 13.415/17, contraria o explicitado no Parágrafo único do Artigo 61:
                                            
A formação dos profissionais da educação, de modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como fundamentos: I – a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho; II – a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço; III – o aproveitamento da formação e experiências anteriores, em instituições de ensino e em outras atividades. (BRASIL/MEC/INEP.2016 p.10)

Conforme apresenta no Dossiê sobre a Reforma do Ensino Médio, organizado pela Conferência Nacional dos Trabalhadores da Educação - CNTE, qualquer pessoa que passou pela escola, seja professor ou aluno, sabe que para ser professor é necessário muito mais do que ter conhecimento dos conteúdos da sua disciplina. Um professor é aquele que possui uma perspectiva pedagógica, social e cultural suficientemente ampla para poder desempenhar o papel de educador, fator que não atende a todos os docentes. Mas, não é esta a preocupação que está em questão nos promotores da Lei. É na realidade a abertura de outro espaço de mercantilização educacional.
 As professoras Monica Ribeiro da Silva e Leda Scheibe em seu artigo sobre a reforma do ensino médio apontam que a profissionalização como uma das opções formativas implica uma forma indiscriminada e igualmente precária de formação técnico-profissional, acentuada pela privatização por meio de parcerias com o setor privado. O uso de recursos públicos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para financiar parcerias com o setor privado, tendo em vista a oferta do itinerário da formação técnica e profissional, constitui grave ameaça à ampliação da oferta e da qualidade de todas as etapas da educação básica.
Diante dessa problematização o docente Indignado da Silva[10] questiona:

Se as reformas forem realmente implantadas, não haverá profissionais (professores) suficientes para as demandas de formação técnica. Portanto, quando um profissional com notório saber (em engenheiro, por exemplo), que passe por uma complementação pedagógica, penso que não seria um problema para a formação técnica. Mas a questão é: O que se entende por notório saber? Haverá complementação pedagógica? Teremos profissionais de outras áreas, ao menos com curso superior dispostos a retornarem aos bancos escolares para fazerem complementação pedagógica para depois irem dar aulas nos cursos profissionalizantes para receberem salários irrisórios? (INDIGNADO DA SILVA, PROFESSOR, Fonte ENTREVISTA)

Conforme aponta em entrevista a professora Maria Rosa[11] a rede estadual (Estado de Santa Catarina) não oferece cursos de qualificação para os docentes há muito tempo. “Vivemos num total engessamento do calendário escolar e somos responsáveis pela realização de atividades que gerem lucros [renda] para manter minimamente o funcionamento das escolas” Complementa a professora, que desde a implantação da LDB “percebo que as alterações foram muito mais a nível de legislação do que na prática efetiva, continuamos como o mesmo modelo de escola de quarenta anos atrás”. 
Conforme menciona em entrevista a professora Maria Rosa com a 23 anos de profissão, a “função” do notório saber desqualifica e desconsidera totalmente a importância do professor no processo de ensino aprendizagem.  Para o professor William Simões o notório saber “desconsidera a necessidade de saberes da docência que são estruturantes da atuação de um professor na Educação Básica e que são específicos do trabalho docente e que estão presentes nos cursos de licenciatura”. (SIMÕES, 2017, p 09.)
Sabemos que é necessário ter mudança no processo de ensino, mas sem prejudicar o processo da construção do conhecimento. Menciona em entrevista o professor João Pedro que o “Ensino Médio necessita de mudanças, mas não é com a retirada de investimento, enxugamento de profissionais e ampliação do tempo integral que vai resolver os problemas atuais da Educação”.  Na análise do professor William, que vem refletido sobre as mudanças da MP 746 aponta algumas dificuldades futuras no percurso.
Só tem sentido utilizar uma medida provisória, se ela produzir efeito imediato que possa evitar um prejuízo pela demora da aprovação de uma lei. Como a medida provisória 746/16 apresenta uma pendência na elaboração da Base Nacional Comum Curricular que deve demorar mais do que o prazo de 120 dias - ela não produz qualquer efeito imediato no currículo do ensino médio. Uma medida emergencial sem emergência. Provoca uma aceleração no Congresso que poderá julgar a medida provisória e aprovar uma lei sem saber a real alteração por ela produzida, já que a BNCC não terá sido definida. O ineditismo do formato e alteração no campo da organização curricular é algo sem precedentes nas normativas congressuais. Aprovar algo que ainda não foi definido completamente cria uma incerteza que impede uma alteração nos projetos pedagógicos que deverão ser adequados ao novo marco legal. Sem a definição da BNCC do ensino médio, a medida não realiza aquilo que promete, mas poderá produzir um movimento de mudanças movidas por razões de economicidade e visões conceituais reducionistas da formação humana. (SIMÕES. 2016, p.05)
Em defesa da educação de qualidade na escola pública e pela garantia de direitos, o professor Wiliam Simões alerta que os trabalhadores e trabalhadoras em Educação não podem admitir segundo o professor William Simões i) a eficiência empresarial capitalista como pressuposto; ii) a perda de autonomia das escolas e professores sobre o trabalho político pedagógico e a gestão democrática; iii) o exercício do monitoramento puramente meritocrático e punitivo por parte de quem seja, em nome de uma perspectiva autoritária de eficiência e desenvolvimento humano; iv) processos de ensino e aprendizagem que visam a simplificação da formação humana no processo de escolarização; v) a precarização do trabalho docente (salários baixos, falta de material de apoio pedagógico e infraestrutura adequada para o exercício da docência, tempo para o planejamento das ações pedagógicas, entre outros); vi) a negação do acesso a conhecimentos científicos consistentes ou a uma formação intelectual integrada a uma formação para o mundo do trabalho, em que sejam reconhecidas as diversidades de classe, étnico-racial, territorial, geracional, sexual e de identidade de gênero, entre outros  (SIMOES, 2017. p.12)      
Em suma, as alterações da MP 746/16 não são coerentes com a realidade das escolas públicas brasileiras, pois forçam uma padronização que não inclui a maior parte dos estudantes e profissionais da educação. Por parte estudantes, contamos uma rica diversidade de ensino, como por exemplo, estudantes indígenas, quilombolas, do campo e da cidade, sendo muitos empobrecidos que não tem a opção de escolha de ensino.
Para os professores, cada vez mais, as tarefas escolares aumentam, e há redução nos salários e nos direitos, que não avançam na valorização e na formação profissional. Com as oscilações dos investimentos, as escolas já passam por dificuldades no que se refere a sua manutenção, e que traz um desafio para uma proposta que prevê novas estruturas, novas formas de ensino, novos profissionais, sendo o “novo” uma reforma daquilo que não deu certo há muito tempo.
Portanto, a MP 746/16 é uma falácia para a educação Brasileira, e os prejudicados são todos aqueles que estão inseridos na sociedade, seja pelo espaço escolar, econômico e político. Os professores entrevistados para a presente pesquisa sentem frustrados com aprovação da Reforma da Médio Ensino, pois entendem que “reforma” serve para melhorias, para o bem-estar, e não para a retrocesso, o engessamento, a padronização de ensino que ocasionará na educação brasileira.

5.    CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os próximos passos da Educação brasileira a serem realizados a partir do ano de 2017 para a devida implantação da reforma do Ensino Médio são a elaboração da BNCC e as orientações do novo ensino pelo MEC, aprovação da BNCC pelo CNE, adequação dos currículos e PPPs pelas escolas, aprovação e adequações de currículos e PPPs pelo CEE, formação dos professores do Novo Ensino Médio e o início da oferta dos novos currículos do Ensino Médio pelas escolas.  A fim de considerar a relação estabelecida entre o Notório Saber, o ensino profissionalizante e os itinerários formativos percebe-se que a mudança/lei 13.415 procura enxugar as condições de trabalho dos docentes deslocando somente para uma escola mas ao mesmo tempo ampliar a carga horária aos estudantes. Diante disso, outros entraves foram gerados.

O sistema precisa de mão de obra barata não pensante que operacionalize sem questionar, sem ouvir as demandas da base da educação formada por profissionais da educação e estudantes. Vale ressaltar que há uma profunda frustração entre os professores, principalmente para os participaram dos debates que deram suporte para a construção do Plano Nacional de Educação (PNE). Um desrespeito total, não apenas para com os professores, mas para o conjunto de entidades e movimentos sociais que participaram da construção.
Percebemos a partir dessa realidade o déficit do notório saber, que por parte governamental será “somente” para cargos profissionalizantes, mas afinal, qual o sentido do “Novo” Ensino Médio, a não ser, profissionalizar/formar em curto tempo os estudantes? Inicialmente a proporção pode ser pequena, poucas escolas aderidas, mas em grande proporção, como ficará a qualificação do ensino?
Aliás, o que esperar de um governo ilegítimo? Portanto a reforma, em seu conjunto, representa um retrocesso para a educação do país. A proposta é pragmática: aumentar o desenvolvimento econômico do país, qualificar em grande escala mão de obra. Dar empregabilidade aos jovens no setor de mão de obra barata. Como ficarão os diversos cursos de licenciaturas abertos nas diversas universidades públicas? Terão estudantes?
Uma das possíveis saídas para os questionamentos acima seriam a valorização real da carreira de professor que além de baixos salários não vê reajuste há anos, a diminuição das exaustivas cargas horárias de trabalho e auxílios financeiros para que o professor pudesse continuamente aprofundar e atualizar a sua formação, a efetivação imediata através de concurso público dos professores ACTs que trabalham o mesmo que um efetivo numa condição precária, muitos divididos em várias escolas, sem ter seus direitos trabalhistas garantidos.
Mesmo se desconsiderássemos a Reforma do Ensino e a PEC55/241, a realidade nas escolas já seria de profundos cortes de verbas que impactam o cotidiano escolar: falta impressora, merenda, materiais de limpeza e secretaria, terceirizados da limpeza e cozinha sistematicamente tendo seus salários atrasados em diversas cidades do Estado.
 Evidente que é pura demagogia os defensores da Reforma do Ensino e da PEC 55/241, medidas que pioraram ainda mais bruscamente esse quadro, falarem que estão preocupados com a “qualidade da educação”. 
Discursos e ações já desencadeadas por secretarias de estado da educação, mudança na BBCC, PNE, PPPs nos permitem evidenciar que este cenário ampliou ainda mais as possibilidades de parcerias público-privadas ou com organizações sociais ditas filantrópicas para atuar no campo educacional, visando garantir a implementação deste “Novo Ensino Médio”.

6.        REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL/MEC. LEI no 9394, de 20/12/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

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[1] Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Especialização em Educação do Campo com ênfase em Estudos da Realidade Brasileira, como requisito parcial para obtenção do título de especialista, orientado pela professora Drª Claudete Gomes Soares, professora do Curso de Ciências Sociais da UFFS-Campus Chapecó e coordenadora do NEABI (Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas)
[2] Professora de Sociologia na Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Fronteira Sul, atuante no movimento sindical.
[3] Alteração na Constituição Federal, no qual os acordos coletivos de trabalho serão definidos entre a empresa e funcionários, que afetará drasticamente as leis trabalhistas definidas pela CLT As alterações previstas pela Reforma Trabalhista afetam o direito a férias, podendo ser divididas em três períodos; O intervalo dentro da jornada de trabalho poderá ser negociado, desde que tenha, no mínimo, 30 minutos nas jornadas maiores do que seis horas, entre outros direitos que serão reduzidos.
[4] Refere-se a forma de contratação via uma empresa terceirizada que presta serviço à empresa-mãe.
[5] Informações obtidas durante o seminário sobre Educação realizado no dia 18 de julho em Chapecó para professores do Ensino Médio Noturno.
[6] Em todo o pais, estudantes da rede pública de ensino ocuparam escolas como protesto a Reforma do Ensino Médio. O movimento foi liderado pelo movimento estudantil e apoio de demais movimentos sociais. As ocupações das escolas tiveram maior êxito no estado do Paraná com mais de 700 escolas ocupadas, interrompendo o calendário escolar. O movimento estudantil avalia que as ocupações das escolas foram de grande importância pincipalmente pela conscientização dos estudantes na busca de maior qualidade no ensino e na garantia dos direitos a educação.
[7] Nome fictício. Professora da disciplina de História com 25 anos de carreira docente. Fonte: Entrevista.
[8] Depoimento extraído da entrevista semi-estruturada realizada com vários docentes de diversas áreas do conhecimento da rede pública ensino. Os participantes permitiram o uso das informações, cientes que seriam identificados por nomes fictícios.
[9]  Nome Fictício da professora da Disciplina de Educação Física, aposentada na rede pública de ensino.
[10] Nome fictício. Professor da Disciplina de Física com 23 anos de carreira docente.


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