Na condição de entidade representativa de mais de 4 milhões de trabalhadores das escolas públicas brasileiras, a CNTE repudia com veemência os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional e nas Assembleias e Câmaras Legislativas de todo país, com vistas a amordaçar professores sob o pseudo argumento de proteção dos estudantes a possíveis doutrinações político-partidárias de mestres escolares.
A CNTE não concorda com nenhum ponto desses projetos de lei, oriundos de fonte ideológica fascista e reacionária, que tem como principal referência o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), o qual dispensa apresentações.
Em suma, os projetos da mordaça são extemporâneos (dignos da Ditadura) e inapropriados à prática pedagógica voltada à educação emancipadora e de qualidade socialmente referenciada.
A neutralidade da escola, proposta pelos projetos, em relação a temas políticos e religiosos, jamais deve significar a ausência de debate sobre questões de ordem social, política e individual, uma vez que esses e outros assuntos perfazem a formação humanística dos estudantes e formam o alicerce da educação laica e libertadora em nosso país. Como alinhar a prática escolar com os anseios dos estudantes e como acompanhar as centenas de informações diárias disseminadas pela televisão e internet, sem a garantia de espaço democrático e plural nas escolas?
Além disso, o argumento da neutralidade político-ideológica é falacioso, uma vez que relações sociais se pautam em ideias e contradições que precisam ser discutidas na escola, até mesmo para disseminar nos jovens a importância do respeito à pluralidade de opiniões, de culturas, raças, etnias e modos de vida interpessoais.
Neste sentido, vale destacar que o pluralismo de ideias está em sintonia com a laicidade do Estado e com o princípio da gestão democrática (art. 206, III e VI da CF), devendo sempre ser observado de forma ampla. Esse princípio constitucional é um dos pilares para a construção de uma sociedade fraterna e que aceite as diferenças entre indivíduos e grupos sociais diversos - características predominantes do povo brasileiro -, não podendo de maneira alguma ser tolhido ou restringido.
A “Escola sem Partido” mitiga outro importante princípio constitucional, que anda ao lado da liberdade de aprender. Trata-se da “liberdade de ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” (art. 206, II da CF). Embora não seja local de doutrinações (por isso temos partidos políticos e igrejas, por exemplo), a escola não é uma instituição isolada do mundo. Além de ensino stricto senso, é papel da escola educar para a vida, tal como preconiza o art. 205 da CF: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Também não se pode ignorar que os jovens no Brasil estão aptos a votar a partir dos 16 anos de idade, e que cabe à escola dar-lhes conteúdo crítico para fazer suas escolhas num momento tão importante como as eleições de gestores públicos e parlamentares.
A liberdade de consciência e de crença pressupõe o livre arbítrio para qualquer pessoa poder questionar valores até então apresentados a ela, a fim de formar ou aprimorar sua opinião sobre determinados temas no momento presente ou num futuro de maior maturidade. E é papel da escola apresentar questões controversas do conhecimento e das relações sociais aos estudantes, sem doutriná-los, mas oportunizando o aprendizado crítico e dialético.
Além disso, a escola pública é local plural e democrático onde diferentes concepções de mundo se encontram. As convicções familiares, obrigatoriamente, serão confrontadas na escola pública, que comporta diferentes classes sociais e diferentes tipos de organizações familiares. Contudo, a ética é pressuposto de todas as relações, inclusive no que tange à transmissão do conhecimento aos estudantes por parte dos/as educadores/as. E o princípio ético rege a relação dos profissionais da educação com seus pares e com os estudantes e comunidade escolar.
Outro agravante da Lei da Mordaça refere-se ao estimulo à censura, ao medo e à falta de confiança entre os atores escolares, indo na contramão dos objetivos da educação laica, democrática, libertadora e de qualidade socialmente referenciada, com base nos princípios da Constituição, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e do Plano Nacional de Educação. Reforça, ainda, o papel do censor nas escolas e nas secretarias de educação, uma prática bastante comum na Ditadura Civil-Militar, prevendo punição civil, administrativa e penal aos educadores que tratarem de temas controversos à legislação da mordaça.
Diante do exposto, a CNTE reitera seu repúdio aos projetos da Mordaça ao magistério, bem como reforça seu compromisso de luta junto com a Frente Nacional contra a Escola sem Partido, estimulando a criação de frentes estaduais e municipais por meio de seus sindicatos filiados e atuando no Poder Judiciário contra essa aberração que tenta impor ideologias pautadas na censura, na repressão e no medo.
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