Movimento
acompanha com preocupação tramitação na Câmara em 2014, com atraso de três
anos. Após mudanças obtidas por pressões privadas no Senado, MEC terá de
investir menos em novas vagas
por
Sarah Fernandes, da Rede Brasil Atual
São
Paulo – A destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação
pública, prevista no Plano Nacional de Educação, não será real. Isso porque o
substitutivo do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), aprovado pelo plenário do
Senado no último dia 17, abre brechas para o repasse de dinheiro para
instituições privadas de educação técnica e superior.
Com
as alterações, o governo deixa de ser
obrigado a investir “em educação pública”, como previa o texto original
e passa a ser obrigado a fazer “investimento público em educação”. A troca dos
termos possibilita que o Ministério da Educação (MEC) inclua nesse orçamento a
verba que financia o estudo de alunos de baixa renda em universidades privadas,
por meio de programas como o ProUni e o Fundo de Financiamento Estudantil
(Fies). Os movimentos sociais reivindicavam que todos os recursos fossem
aplicados diretamente na escola pública.
“Na
prática, os 10% se tornaram 8%. Quando se observam os planos de negócios do
setor privado vemos que eles vislumbram um mercado de R$ 50 bilhões para
educação superior e de quase R$ 35 bilhões para educação técnica. A soma dos dois
dá 2% do PIB”, diz o coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à
Educação, Daniel Cara.
Com
o substitutivo aprovado no Senado, agora à espera de nova votação na Câmara,
Cara teme que não haja expansão de vagas em instituições públicas, principalmente
no ensino superior e na educação profissionalizante. “A tendência é haver forte
expansão nos próximos anos, financiada pelo estado e em instituições
particulares de baixa qualidade”, disse, em entrevista à RBA.
O
PNE é composto por 14 artigos, 21 metas e 177 estratégias que visam melhorar o
acesso e a qualidade da educação nos próximos dez anos. Entre os objetivos está
erradicar o analfabetismo e universalizar o atendimento escolar, com o aumento
de vagas em creches, ensino médio, cursos profissionalizante e universidades.
“O que justificava os 10% do PIB era a busca pelo padrão de qualidade.”
O
texto foi enviado pelo governo federal ao Congresso, em dezembro de 2010, e só
acabou aprovado pela Câmara dos Deputados quase dois anos depois, em outubro de
2012. No Senado, passou por três comissões, durante pouco mais de um ano de
tramitação.
Algumas das
principais mudanças feitas pelo Senado foram nas metas 11 e 12, relativas à
educação profissional e superior. Em ambos os casos não ficou assegurada a
expansão de vagas no setor público. O que isso representa?
Por
pressão do setor privado e por interesses em favorecer as parcerias
público-privadas na educação, o Senado Federal retirou a meta de expansão de
matrículas no ensino público superior e técnico. Assim, há uma forte tendência
a não expandir as vagas em instituições públicas.
O
Ministério da Educação fez uma análise de geoprocessamento do Brasil e
vislumbrou quais as áreas de maior demanda, em nível dos municípios. Então
chamou a ABMES (Associação Brasileira dos Mantenedores de Ensino Superior) para
negociar o que será feito em cada região. Se continuar essa lógica, de que vale
a vaga sem qualidade – que inclusive não tem apoio de outros Ministérios além
do da Educação –, a tendência é que a expansão nos próximos anos seja muito
forte, financiada pelo Estado e em instituições particulares de baixa
qualidade.
O Senado mudou
também a redação da meta 20, referente ao financiamento, explicitando que o
governo deve ampliar o “investimento público em educação”, e não "ampliar
o investimento público em educação pública".
Todos
os cálculos que foram feitos, inclusive no próprio Ministério da Educação
(MEC), trabalham com a perspectiva de dinheiro público para a educação pública,
porque a ideia do Plano Nacional de Educação é garantir que o investimento
expanda a educação com padrão de qualidade.
O
resultado dessa mudança é que o Brasil vai expandir matriculas. Estamos falando
em quase três milhões de novas matriculas no ensino técnico de nível médio e
cinco milhões no ensino superior. Porém, provavelmente elas não vão atingir o
padrão de qualidade, porque normalmente as matrículas do ProUni e do Fies são de baixíssima qualidade.
Defendemos
o princípio de Florestan Fernandes, de que a educação pública tem que ser para
todos. Não se trata de um principio estadista, que não vale nada que seja
privado. Mas, como educação é estratégica e fundamental para a cultura
democrática, ela deve ser para todos e de excelência.
O
problema é que estamos em uma onda que não importa como o dinheiro público é
gasto, o que importa é garantir o serviço. É um problema de concepção. Todo
cidadão brasileiro sabe que as universidades privadas, em geral, são de má
qualidade, pagam péssimos salários, não fazem pesquisa, nem extensão. Quem faz
isso e muito bem são as públicas e algumas concessionais, como as PUCs e o
Mackenzie.
Apesar disso, os
10% do Produto Interno Bruto (PIB) para educação, bandeira histórica dos
movimentos sociais, foram conquistados.
O
que justificava os 10% do PIB era a busca pelo padrão de qualidade. Na prática,
agora os 10% se tornaram 8%. Quando se observa os planos de negócios do setor
privado na bolsa de valores ou nos relatórios das empresas que controlam
instituições de ensino superior, vê-se que eles vislumbram um mercado de R$ 50
bilhões para educação superior e um mercado de quase R$ 35 bilhões para
educação técnica. A soma dos dois dá 2% do PIB.
Então,
a gente tem um desafio muito grande, que é tentar travar o interesse do setor
privado, não porque somos contra ele, mas porque em educação as parcerias
público-privadas têm gerado expansão sem qualidade. Os alunos adquirem um
diploma que não representa o que aprenderam na universidade e não saem
preparados para o mercado de trabalho. A gente só tem melhorado o acesso, mas
precisamos fazer com que os jovens ingressem na universidade com capacidade
para construir seus projetos de vida e ninguém constrói projetos de vida em
subempregos.
O substitutivo
do senador Vital do Rêgo acolheu a proposta de José Sarney de ampliar a
produção científica nacional. Essa proposta é pertinente para o Plano Nacional
de Educação?
Isso
é demagogia do PMDB. O trabalho do senador Vital do Rêgo foi baseado na vontade
dele de ser ministro (da Integração Nacional), o que deve se confirmar em
janeiro. Ele vendeu a relatoria do PNE para mostrar que é obediente e que pode
assumir o cargo. Para garantir o apoio dos dois maiores líderes do PMDB no
Senado, que são o Renan Calheiros e o José Sarney, ele acabou incluindo essa
emenda. Ela inclusive é contraditória com a meta 12, porque sem expandir a
universidade pública não tem como aumentar a produção científica.
O PNE deveria
ter sido implementado desde 2011. Que prejuízos esse atraso traz?
Continuamos
vivendo em um país que os estados fazem uma coisa, os municípios fazem outra e
a União uma terceira completamente diferente. O resultado disso é que enquanto
todos deveriam remar no mesmo barco, para fazer a educação avançar, eles remam
em canoas diferentes. Dessa maneira não conseguimos garantir o direito a
educação.
O PNE assegura
ensino especial obrigatório e universal para toda a população com deficiência
entre quatro e 17 anos. Essa medida garante repasses do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para instituições como a Associação
de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae)?
Elas
vão receber recursos. Alguns parlamentares dizem até que as instituições como
APAES precisam de R$ 20 bilhões, que é quase sete vezes mais que total
investido no Sistema S. Aí não dá. Elas deveriam receber dinheiro também da
saúde, da assistência social e do Ministério das Cidades. As Apaes poderiam
inclusive expandir sua atuação, mas é preciso compreender que o que elas fazem
não é educação. Fazem assistência social, saúde e estímulo às atividades
cognitivas, mas não ensina. Tanto que quando você insere um aluno com
deficiência na escola regular, ele dá um salto de qualidade.
No ano que vem
haverá eleições e será realizada a próxima Conferência Nacional de Educação.
Esse calendário pode atrasar ainda mais a aprovação do plano?
Agora
vai ser um braço de ferro. A sociedade civil quer que o PNE seja debatido
depois da Conferência Nacional de Educação, que será entre 17 e 21 de
fevereiro. Queremos opor o texto da Câmara e do Senado para que a sociedade
civil decida qual quer. Como o governo sabe do risco de isso acontecer quer
aprovar texto do Senado já nos primeiros dias de fevereiro, senão diz que o
documento só será votado na Câmara em 2015. Já nos pronunciamos dizendo que
queremos que o texto seja analisado na Conferência.
O
receio do governo é que após a conferência a sociedade civil entre muito forte
na Câmara dos Deputados, onde já tem
bastante representatividade. Que parlamentar, em ano eleitoral, iria contra uma
demanda tão grande da sociedade?
E
há ainda a ameaça que a Dilma vete. Parece que a Dilma é a rainha vermelha da
Alice no País das Maravilhas, que em vez de cortar cabeças, veta. Mas não é
assim que tem acontecido. O governo não é um bloco monolítico.
Havia também uma
crítica dos movimentos sociais de que não havia metas intermediárias no plano.
O problema persistiu depois da tramitação do documento no Senado?
O
Senado deveria ter construído as metas intermediárias, mas optou por não fazer
isso. O entendimento do gabinete do ministro (Aloizio Mercadante) é que a meta
intermediária geraria pressão sobre a presidenta Dilma. No fundo o que se quer
é que a avaliação do plano fuja da gestão da Dilma. Nesse jogo, serão feitos
relatórios de meio termo só quando ela já não estiver mais no governo.
Daniel
Cara: “O que justificava os 10% do PIB era a busca pelo padrão de qualidade”.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário